“Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque EU O SOU”
João 13:13
Nos dois artigos anteriores sobre o Senhorio de Cristo abordamos “O Conceito Bíblico do Senhorio de Cristo” e “Os Fundamentos do Senhorio de Cristo”. Vamos, neste último artigo da série, versar sobre:
A APLICAÇÃO PRÁTICA DO SENHORIO DE CRISTO
“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas ... o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor para o corpo” (1 Coríntios 6:12-13b) ... “apresenteis os vossos corpos ... para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos12:1-2).
Como fazer a aplicação prática do Senhorio de Cristo na experiência da vida cristã? Essa cruciante questão se coloca como um desafio irrecusável perante nós. Podemos conceituar “vida”, do ponto de vista temporal, como o nosso “ser”, o nosso “fazer” e o nosso “estar”. É um conceito abrangente da nossa integral postura comportamental. O Senhorio de Cristo tem tudo a ver com esses três aspectos do nosso “viver”.
Devo “ser” como o Senhor seria nas mesmas circunstâncias da manifestação do meu “eu”. Devo “fazer” o que e da maneira como o Senhor faria no meu “agir”. Devo “estar” onde e como o Senhor estaria no meu “andar”. Isso não é fácil, mas é possível e deve ser buscado tenazmente, para que a experiência da vontade de Deus seja manifestada em nosso viver cristão.
Vejamos, com base nos textos acima mencionados como esse alvo pode ser alcançado, pela aplicação correta do Senhorio de Cristo em nosso “ser”, em nosso “fazer” e em nosso “estar”.
O PRINCÍPIO BÍBLICO ENUNCIADO
Paulo enunciou o princípio bíblico que rege o comportamento cristão (o meu “ser”, o meu “fazer” e o meu “estar”), sob o Senhorio de Cristo, quando afirma que “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm” (1 Coríntios 6:12).
Encontramos aí o dilema “licitude versus conveniência”. “Lícito” é aquilo que não é proibido por lei e aquilo que é conforme a lei. “Lei” é a norma coercitiva, que, nos termos da “conveniência” e do “consenso” social, estabelece a “permissibilidade legal do comportamento”. Na primeira parte do princípio - “todas as coisas me são lícitas” - Paulo estabelece a amplitude do campo da permissibilidade legal no comportamento humano.
Esse campo é muito amplo e varia de cultura para cultura, assim como, sempre se amplia, porque o ser humano busca, cada vez mais, a liberdade de comportar-se sem restrições, no sentido na satisfação dos desejos da sua carne (pecaminosa), sem as restrições, censura e penalidades impostas pela lei.
Esse tipo de conduta aliena o Senhorio de Cristo, porque visa apenas a realização da satisfação humana, através do seu comportamento. Está voltada somente para a “conveniência social” e não a conveniência do Senhor. Na análise do comportamento humano costuma-se estabelecer três áreas de atuação possíveis:
- A área do que é LEGAL, isto é, de acordo com a lei. Temos aí o campo da permissibilidade legal, que é muito largo, como já vimos, porque busca satisfazer a conveniência social;
- A área do que é MORAL, isto é, de acordo com a formação moral da pessoa. Temos aí um campo mais restrito, delimitado pela conveniência da postura moral no comportamento pessoal. Nem tudo que é “lícito” (de acordo com a lei) é “moral” (de acordo com a postura moral da pessoa). Por isso, há no contexto social os que, no seu comportamento, se limitam aos princípios que formam a sua postura moral, abrindo mão da liberdade concedida pela lei para “ser”, “fazer” ou “estar” além desse limite;
- A área do que é ESPIRITUAL, isto é, de acordo com a soberana vontade de Deus. Os filósofos denominam essa área de “religiosa”. Preferimos a expressão “espiritual”, porque a vontade soberana de Deus não é a “religiosidade”, mas a “espiritualidade”, no comportamento do cristão. Temos aí um campo ainda mais restrito daquele que se refere à “moral”, por isso que o comportamento espiritual, muitas vezes, não se compatibiliza com as concessões da moralidade humana.
Esses conceitos filosóficos servem bem para se entender a segunda parte do princípio enunciado por Paulo para a efetiva realização do Senhorio de Cristo no “ser”, “fazer” e “estar” do cristão, a saber: “mas nem todas convêm”.
O que ele está a dizer aí é que, embora possamos, sem censura, restrições ou penalidades aplicáveis, nos comportar nos limites da Lei (já vimos que o campo da “licitude” é sobremodo largo), atendendo exclusivamente às conveniências do “eu” (por isso ele afirma: “tudo me é lícito”), como cristãos, sob o Senhorio de Cristo, devemos apenas nos comportar conforme a conveniência do Senhor.
O que deve, pois, nortear o comportamento cristão não é a “conveniência social”, mas a conveniência do Senhor. A enunciação desse lapidar princípio do Senhorio de Cristo, no comportamento do cristão, é acompanhado de notáveis assertivas:
- “Não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co.6:12b) – Impõe-se a recusa peremptória do cristão ao domínio das coisas lícitas, quando elas confrontam com o correto comportamento conveniente ao Senhor (sob o Senhorio de Cristo);
- “Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele” (1Co.6:13a) - Esse era um provérbio popular que alguns empregavam para justificar a livre satisfação dos desejo físicos. Mas os desejos físicos são precários e tudo o que os envolve será destruído, pois é apenas temporal e não eterno;
- “O corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor, para o corpo” (1Co.6:13b). É uma razão séria no conceito do Senhorio de Cristo, já exposta anteriormente. Isso significa que, no nosso comportamento cristão, devemos:
- evitar o pecado;
- evitar o que é duvidoso; e
- evitar o que escandaliza o irmão.
A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
Em Romanos 12:1-2, Paulo faz forte apelo (“rogo”) para que aplicassem o princípio do Senhorio de Cristo, ensinando-os como fazê-lo corretamente. Vemos aí que ele identifica o comportamento dos cristãos sob o Senhorio de Cristo como a experiência da boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Ele referencia o seu “apelo” às “misericórdias de Deus”. Nada melhor do que as “misericórdias de Deus” para justificarem o apelo de Paulo à aplicação do princípio do Senhorio de Cristo, pois elas são a causa de não sermos consumidos e se renovam a cada manhã, provando a fidelidade de Deus (Lm. 3:22-23).
A aplicação do princípio do Senhorio de Cristo aí exposto implica em dois verbos mencionados por Paulo (lembremos que, gramaticamente, o verbo descreve uma “ação”):
- “APRESENTEIS” – A agência no verbo aí mencionado compete a nós, cristãos, e o objeto dessa agência é o nosso corpo. Não há Senhorio de Cristo sem a apresentação do nosso corpo ao Senhor. Isso é fundamental. Paulo oferece detalhes que devemos atender nessa gloriosa agência de apresentação do nosso corpo ao Senhor:
- "Por sacrifício” (Rm. 12:1) – Esse é um aspecto característico no comportamento do discípulo verdadeiro. Podemos contemplá-lo na declaração de Jesus Cristo, em Lucas 9:23, onde o Senhor anota a necessidade de “renúncia” do discípulo, da “rejeição” ao mundo e do mundo do discípulo, e a “rendição” ao Senhor do discípulo. Por isso, o sacrifício deve ser “vivo”, “santo” e “agradável”;“
- "Não vos conformeis com este século” (Rm.12:2) - É algo mais que necessário que devemos acrescentar ao exercício de nossa agência, ao disponibilizarmos o nosso corpo para o Senhor. A conformação com o mundo é incompatível com o Senhorio de Cristo!·
- "Transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm. 12:2) - É algo essencial que implica em nossa agência de apresentação do nosso corpo ao Senhor. Essa abençoada transformação da mente é operada maravilhosamente, na medida em que deixamos o Espírito de Deus atuar em nós e através de nós (Efésios 5:18). A “apresentação do corpo” nos termos expostos por Paulo implica em: (a) “submissão” ao Senhor e (b) “disposição” em realizar a Sua Vontade.
- “EXPERIMENTEIS”’ – A agência desse verbo cabe ao Senhor. Uma vez que apresentemos o nosso corpo ao Senhor, nos termos já vistos, Ele nos dará inexoravelmente a experiência da Sua boa, agradável e perfeita vontade. Essa “experiência” da vontade do Senhor implica em duas coisas: (a) teremos a Sua “direção” em nosso viver cristão; e (b) seremos “utilizados” por Ele na realização dos Seus propósitos soberanos em nosso viver cristão.
Concluímos com a oração de Paulo a respeito do comportamento dos colossenses: “que transbordeis no pleno conhecimento da sua vontade (de Deus), em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda a boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus” (Colossenses 1:9b-10).