“Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro”
Filipenses 1:21
Novembro se inicia num cenário fúnebre. Em todo o mundo as atividades rotineiras da vida são interrompidas com o tradicional espaço reservado às reflexões profundas sobre os que já passaram para a eternidade, o que resulta em lamentações sentidas e muitas lágrimas derramadas, na lembrança inevitável dos que nos foram tão caros, mas que já não fazem parte do nosso convívio humano. Em datas próximas ou longínquas foram levados para sempre, de forma inexorável, pelo fato mais contundente da experiência humana: A MORTE.
Do ponto de vista humano não há perda maior do que a causada pela morte. Nada se compara em termos de prejuízo. A vida é considerada o “bem maior”, mais valioso do que todos os patrimônios que possamos possuir. A morte faz perecer, implacável e definitivamente, esse “bem maior” e inestimável e zera tudo! Acontecendo ela, tudo o que pertença ao morto, por maior valor que represente para nada mais lhe servirá! Deixa de lhe pertencer. Nada se leva na melancólica viagem para a tumba!
A morte faz perecer, automaticamente, toda a lucratividade da experiência humana, seja a própria vida física, como todo o patrimônio que por meio dela se conquistou. Essas cogitações levaram-me a considerar os aparentemente estranhos conceitos de Paulo, expostos no texto em epígrafe: “para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro”.
Realmente, essa afirmação de Paulo, produzida na prisão em que injustamente se encontrava e na expectativa de ser condenado à morte, tem tudo para parecer sem sentido e totalmente absurda. Que sentido pode ter “viver é Cristo”? Como a morte pode ser considerada lucro, quando é certo que é ela a causa do perecimento do bem maior, a vida, e de todos os valores correlatos que lhe pertencem? O certo é que aí Paulo está fazendo notável declaração sobre o valioso patrimônio do cristão. Podemos nela distinguir conceitos preciosos quanto aos verdadeiros valores e à sua lucratividade imperecível.
1. “Para mim o viver é Cristo”
Já nos referimos ao que se considera ser o bem maior: a vida física. E é em razão dessa premissa tranquila e firmemente aceita pelo ser humano que se busca, a qualquer preço a preservação da vida para que o homem possa usufruir ao máximo os dividendos que a aplicação total na administração da mesma possa conferir.
Preserva-se a vida mais pelo que ela representa como instrumentação egoísta da maior lucratividade humana do que por qualquer outra coisa. Dimensiona-se a lucratividade em termos de posses materiais ou intelectuais que se consiga amealhar, não importa por que meios. Vale mais quem maior lucratividade alcance. Que crasso erro cometemos! Por quê? Porque, por maiores que sejam os lucros conquistados nos investimentos materiais e intelectuais na experiência da vida, são eles inquestionavelmente precários e perecíveis, como precária e perecível é a própria vida física, em razão do pecado (Romanos 5:12).
Não negamos o valor da vida. É o bem supremo concedido pela Graça divina, mas não é ela a razão de ser da vã e perecível lucratividade temporal, nem a instrumentação adequada para a sua obtenção. Jesus disse: “a vida do homem não consiste na quantidade dos seus bens” (Lucas 2:14, leia o texto de 13-21). Tiago ensina sobre “lucros” na vida: “... vós que dizeis: Hoje, ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos e teremos lucros. Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois apenas como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tiago 4:13-14).
Paulo não está, no texto sob exame, a falar que não dá valor à vida, mas mostrando o seu verdadeiro valor ao afirmar: “para mim, o viver é Cristo”. Para Paulo a vida não é a instrumentação valiosa da captação de lucros materiais, todos, sem dúvida, perecíveis, mas da conquista de dividendos espirituais e eternos. Estes só podem ser conquistados quando Cristo passa a ser a razão da própria vida! A sua vida encontrava todo o seu sentido em Cristo. Toda a sua vida (pensamentos, atitudes etc.) estava relacionada com Cristo que o conquistara (Filipenses 3:12).
Ele vivia no centro da vontade de Deus. Isso era o que importava, ainda que pudesse resultar na sua morte física, por causa do seu fiel testemunho. Ele estava pronto, também, para morrer por Cristo! Ele sabia que Deus tinha um propósito para o seu viver. Por essa razão escreveu em Gálatas 2:20 “... logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. Aí estava o valor imperecível da sua vida e a lucratividade resultante desse investimento consciente para toda a eternidade.
Para aqueles que não creem em Deus, só resta a vida nesta terra; portanto é natural que lutem pelos valores e lucratividades terrenos – dinheiro, prestígio pessoal, popularidade, poder e prazeres mundanos. Para Paulo, entretanto, viver significava desenvolver valores imperecíveis e eternos, neles investindo denodadamente, falando aos outros a respeito de Cristo, pois acreditava que somente Ele poderia fazer com que entendamos a vida sob a perspectiva da eternidade.
2. “Para mim... o morrer é lucro”
Que afirmação desconcertante ao raciocínio lógico humano! Como pode ser a morte lucro? Que lucro pode se ver na imensidão dos cemitérios com suas inúmeras covas e incontáveis mausoléus, onde resta, apenas, o pó em que se desfez o corpo dos que, um dia, foram viventes, incluídos entre eles ricos, poderosos, sábios, e notáveis a vários títulos. Jazem todos na tumba, derrotados, implacavelmente, pela morte inesperada e contundente. De nada lhes valeram os vastos recursos de que tanto se orgulhavam e dos quais foram totalmente desapossados. Nada, absolutamente nada mais lhes pertence! Do corpo só resta o pó da terra! Como pode a morte ser “lucro”, Paulo?
Paulo está absolutamente certo em sua afirmação! Que gloriosa afirmação! Não é um privilégio apenas de Paulo, ter a morte como lucro, mas de todos os verdadeiros filhos de Deus, privilégio que é garantido pela Graça do Senhor e obtido pela fé, na expectativa da eternidade espiritual, com Deus (1 Tessalonicenses 4:17). É um conceito de valor espiritual e de dimensão eterna.
A morte dos santos representa uma lucratividade imperecível, ainda que, para muitos, é a inquestionável prova da perda total dos valores humanos e temporais. Afinal, o que é que realmente vale? A lucratividade perecível do investimento nos valores temporais ou a lucratividade imperecível do investimento nos valores espirituais?
Paulo foi um dos maiores investidores que a história tem conhecido. Vivendo em Cristo investiu nos verdadeiros valores da vida, os espirituais e eternos, e, por isso, fez jus à incomparável lucratividade imperecível que a morte física lhe proporcionou, garantida pelas promessas do Senhor. Para Paulo a morte traria a eterna união com Cristo, sem as limitações da vida terrena.
Todo o propósito de Paulo em vida era falar corajosamente a respeito de Cristo e se tornar semelhante a Ele. Não lhe foi fácil cumprir com fidelidade esse ministério precioso. Por isso Paulo podia dizer, também, consistentemente, que morrer era melhor do que viver, porque a morte o livraria dos problemas terrenos, transportando-o para ver a Cristo face a face (1 João 3:2-3). Por tudo isso é que Paulo assim se autobiografou, pouco antes da obtenção certa da lucratividade imperecível que a morte lhe proporcionaria: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amarem a sua vinda” (2 Timóteo 4:7-8).
Se não estamos prontos para morrer também não estamos prontos para viver. Devemos procurar ter a certeza do nosso destino eterno com a sua lucratividade imperecível, na presença pessoal de Deus. Só assim seremos livres para servir, dedicando a nossa vida ao que realmente importa, sem medo da morte, como afirma o salmista: “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Salmo 116:15). Sobremodo confortadora é a declaração apocalíptica: “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor” (Apocalipse 14:13).
Vivendo em Cristo estaremos investindo para o valioso e imperecível lucro que a morte nos proporcionará. Seja o nosso viver Cristo, como aplicados investidores nos valores espirituais e eternos, para usufruirmos, ao morrer, o LUCRO QUE VALE A PENA que está a esperar os fiéis, na eternidade com Deus.