1 Coríntios 12:12-31
No início de um novo ano, ocorre-me fazer oportunas reflexões sobre a Igreja, excepcional projeto do Senhor para aqueles que já nasceram de novo. Privilégio incomparável que nos é deferido pela Graça Redentora, o qual nem sempre é valorizado como deveria ser. Paulo expõe, no trecho supramencionado, o seu ensino sobre o correto funcionamento da Igreja no exercício amplo dos dons espirituais, utilizando-se de uma expressiva e objetiva ilustração: O corpo humano. São necessários muitos membros diferentes para a formação do corpo humano. Os membros, inevitavelmente, diferem entre si, mas as suas diferenças não afetam o fato de que há uma fundamental unidade. Temos, nele, a “unidade na diversidade”. Assim deve ser a Igreja como o “Corpo de Cristo”. Paulo, aí, descreve o relacionamento dos cristãos espiritualmente dotados, usando a analogia do corpo humano, seguindo os seguintes aspectos: a) A diversidade dos membros (vs. 12-13); b) A harmonia no funcionamento dos membros (vs. 14-20); c) A interdependência (dependência mútua) necessária (vs. 21-26); d) A diversidade dos membros realiza a vontade de Deus no corpo (vs. 27-31).
A) A diversidade dos membros (vs. 12-13) – Como no corpo humano, a Igreja é composta de muitos membros (“assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros sendo muitos, constituem um só corpo”). O Espírito formou uma unidade orgânica a partir dos muitos e diferentes membros do Corpo de Cristo. Na expressão “assim também com respeito a Cristo”, a ideia de Cristo como Cabeça do corpo não é explícita como em Efésios 2:23 e Colossenses 1:8. Mas o pensamento favorito de Paulo, de que o cristão está “em Cristo” (1:30) está na base de sua afirmação. Desde que todos os crentes estão nEle, constituem um só corpo. Assim como é com o corpo humano, assim com Cristo. Há unidade na diversidade. No versículo 13, a expressão “batismo” simboliza esta verdade (1:13 e seguintes). A “unidade” aí definida transcende a quaisquer distinções acaso existentes. A expressão “em um só Espírito” indica o Espírito como o elemento “em” que foram batizados. Os batizados foram introduzidos na esfera do Espírito, só quando há uma atividade do Espírito que o batismo tem sentido. Mas não se pensa no Espírito como externo. A todos os cristãos lhes “foi dado beber de um só Espírito”. O Espírito penetrou o íntimo do seu ser. Em todos os cristãos é o mesmo Espírito que está em ação, no mais profundo recesso de sua personalidade. O batismo no Espírito forma o corpo, unindo os mais diversos membros e Cristo, à Cabeça ressuscitada e glorificada, bem como uns aos outros. É lamentável que a expressão “batismo no Espírito”, tem se desviado totalmente do seu sentido correto, constante do original no Novo Testamento. Esse batismo ocorre por ocasião de nossa conversão, quando o Espírito entra no pecador que crê e lhe dá nova vida e o torna o Seu corpo, o templo de Deus. Todos os crentes entram no benefício desse batismo, que acontece só uma vez e para sempre (v. 13). Não há qualquer texto nas Escrituras que nos ordene a buscarmos esse batismo, pois já aconteceu e não há porque se repetir, pelo seu próprio significado espiritual. Somos ordenados, sim, a ficarmos cheios do Espírito (Efésios 5:18). Ser batizado pelo Espírito significa que pertencemos ao corpo de Cristo. Ficar cheio do Espírito significa que nossos corpos pertencem realmente a Cristo. Ainda: A evidência do batismo do Espírito, por ocasião de nossa conversão, é o testemunho do Espírito em nós (Romanos 8:14-16). Nada tem a ver com “falar línguas”. Todos os crentes, na igreja de Corinto, tinham sido batizados no Espírito, mas nem todos falavam em línguas (1 Coríntios 12:30). As evidências da plenitude do Espírito são: 1) poder para testemunhar (Atos 1:8); 2) alegria; 3) submissão (Efésios 5:19-20); 4) semelhança a Cristo (Gálatas 5:22-26); 5) compreensão progressiva da Palavra de Deus (João 16:12-15). Embora haja “diversidade de membros” por causa do dom do Espírito que é recebido por ocasião da conversão, todos nós somos membros do Corpo de Cristo. Características pessoais, de qualquer natureza, como raça, posição social, grau de instrução, sexo etc., não representam vantagens ou desvantagens na comunhão e no serviço ao Senhor.
B) A harmonia no funcionamento dos membros (vs. 14-20) – As constituições do corpo humano e do Corpo de Cristo exigem que todos os membros (mesmo aqueles que não parecem importantes) funcionem em harmonia. Consoante o versículo 14, a diversidade não é um atributo acidental do corpo. É da sua própria essência. Nenhum membro deve equiparar-se ao próprio corpo. Há necessidade de muitos membros para se formar o corpo. Por outro lado, cada membro deve exercer a sua função consciente de que deve fazê-lo em perfeita harmonia com o exercício funcional dos demais membros, para que o corpo cumpra, cabalmente, a sua finalidade (vs. 15, 16). Evidentemente, as contendas ocorridas em Corinto, haviam desanimado alguns dotados membros da igreja. Indagavam a si mesmos se tinham algum direito de pertencer a tão augusto corpo, como a Igreja, que incluía homens que possuíam maravilhosos e espetaculares dons. Paulo anima-os: O pé pode muito bem ter ficado desalentado por sua incapacidade para exercer as complicadas funções da mão, mas isso não o deixa fora do corpo. Assim com o ouvido e com o olho. O corpo precisa de pés, mãos, ouvidos e olhos. Há uma tendência em alguns de exaltarem os “dons sensacionais”. Isso leva alguns a se sentirem inferiorizados, porque os dons que possuem não os destacam muito. É essa atitude que Paulo procura enfocar no texto. A diversidade não sugere inferioridade. Deus nunca comete erros quando, na Sua Soberania, concede os dons. No versículo 17 Paulo deixa, através de perguntas retóricas, inferência clara de que nenhum membro pode realizar a função de outro membro. Cada um na sua! Assim haverá harmonia no exercício das funções do corpo e o corpo realiza o seu propósito na vontade do Senhor. Os membros não estão no corpo por acaso (v. 18). Deus os dispôs “colocando cada um deles no corpo”. Seu lugar e a sua função derivam da designação divina e não de qualquer coisa inferior a isso. Deus faz as coisas assim (veja a obra da criação!). A expressão “cada um deles” evidencia o cuidado de Deus em não favorecer só aos mais importantes e espetaculares. A expressão “como Lhe aprouve” é uma afirmação do exercício da Soberania divina. No versículo 19 Paulo formula mais uma pergunta retórica para evidenciar que o corpo não pode ser formado só de um membro, por mais importante que seja. Reitera, no versículo. 20, o princípio da “unidade na diversidade”.
C) A interdependência (dependência mútua) necessária (vs. 21-26) – Paulo demonstra a necessidade de dependência mútua, de um respeito e de um cuidado recíprocos. A diversidade no corpo é uma evidência da sabedoria de Deus. Cada membro tem necessidade dos demais membros do corpo e nenhum ousa se tornar independente. No corpo humano saudável, os vários membros do mesmo cooperam, um com o outro, e se compensam nas faltas eventuais, para o bem do corpo. Em hipótese alguma um dirá ao outro: “não preciso de você”. Isso criaria um problema sério para todo o corpo. Consoante os versículos 21 e 22 Paulo ensina que o fato de um membro desempenhar bem a sua função não deve levá-lo a desprezar outro que julga inferior, porque ambos são necessários. Sempre que começamos a pensar em nossa importância pessoal na igreja, esvai-se a possibilidade de uma obra realmente cristã. Nos versículos 23-25 Paulo evidencia como é falho o nosso critério de avaliação para concluir que “Deus coordenou o corpo concedendo muito mais honra aquilo que menos tinha”. No versículo 26 enfatiza a interdependência dos membros do corpo, destacando a repercussão em todos os membros, quando da afetação positiva ou negativa de um membro (sofrimento ou alegria).
D) A diversidade dos membros realiza a vontade Deus no corpo (vs. 27-31) – Na parte final fica evidenciada a importância da vontade de Deus na manifestação diversificada dos membros do corpo. Se somos Corpo de Cristo e, individualmente, membros desse corpo, é porque Deus assim o estabeleceu. É Deus Quem concede os dons e determina as funções. Ele tem um plano perfeito não somente para a Igreja, como um todo, mas, também, para cada congregação local. Não temos nenhuma razão de crer que cada congregação no Novo Testamento possuía todos os dons. A igreja em Corinto era especialmente dotada (1 Coríntios 1:4-7; 2 Coríntios 8:7). Contudo, Deus concede a cada congregação os dons que precisa, na hora que precisa. Neste passo Paulo lista alguns dons, evidenciando que alguns têm maior importância do que outros. Isso não contraria o que já ensinou no sentido de que cada dom é importante e que cada crente é importante. Mesmo no corpo humano, existem alguns membros que são dispensáveis, mesmo que a sua ausência possa prejudicar em parte o próprio corpo. Os “apóstolos” e os “profetas” aparecerem em primeiro lugar, pois tiveram um ministério fundamental básico (Efésios 2:20). Os “mestres” eram necessários a fim de estabelecer os crentes na fé. Os demais dons eram necessários eventualmente, a fim de ajudar os crentes individualmente e a fim de edificar a igreja. Pela sua construção no grego, as perguntas que Paulo faz nos versículos 29 e 30, conduzem, necessariamente, a uma resposta negativa. Nenhum crente possui, individualmente, todos os dons espirituais. Cada um tem o dom (ou dons) concedido(s) a ele pelo Senhor, necessário para aquele momento. A palavra traduzida “melhores”, no versículo 31, tem o sentido de “maiores”. Alguns dons espirituais têm importância maior do que outros e é correto que os crentes os busquem (1 Coríntios 14:1). Paulo deu destaque maior à “profecia”, mas os crentes em Corinto valorizavam mais o dom de línguas que Paulo colocou em último lugar na lista. A “unidade” e a “diversidade” devem ser equilibradas pela “maturidade” e essa maturidade é procedente do “amor”. Não basta ter o dom do Espírito e nem mesmo os “dons” do Espírito. Devemos possuir, também, as “graças” do Espírito ao empregarmos nossos dons para servir um ao outro. Esse é o “caminho sobremodo mais excelente” a que se refere no versículo 31.
Conclusão – Iniciando um novo ano, no curso da vida humana, creio que é muito válido refletirmos sobre o fato de sermos membros do Corpo de Cristo, privilégio inaudito que usufruímos como novas criaturas. Uma profunda reflexão sobre o precioso ensino de Paulo acima exposto, pode nos ajudar a uma postura mais adequada e abençoada, favorecendo a nossa necessária espiritualidade e conduzindo-nos ao fiel cumprimento de nossa vocação em Cristo Jesus.