Há uma lenda que conta sobre a volta do Senhor ao céu. Encontrando-Se com Gabriel, Ele afirmou que havia terminado a tarefa que Lhe fora confiada pelo Pai.
− E qual é o Teu plano, Senhor?, indagou Gabriel. Como se propagará o Evangelho? Deixaste uma poderosa organização sobre a Terra com planos bem definidos?
− Não, foi a resposta do Senhor. Não deixei organização alguma, mas tão somente um pequeno grupo de discípulos, a maioria dos quais de origem muito humilde. A eles cabe fazer o anúncio ao mundo
− Mas suponhamos que eles fracassem, insistiu Gabriel. – Que plano tens, então, Senhor?
− Não tenho outro plano, replicou o Senhor.
A evangelização do mundo é o grande projeto de Deus para a Igreja (veja Lucas 24:44-49; Atos 1:1-11). Notamos aí a importância dos quarenta dias durante os quais o Senhor permaneceu na Terra após a Sua ressurreição, antes de ser assunto ao céu.
1. O PLANO DO SENHOR
A evangelização mundial não resulta de um esquema humanamente elaborado pelos primitivos, mas de um plano eterno de Deus.
A) Não foi uma improvisação – Houve um planejamento global − “Assim como o Pai me enviou (redenção) eu também vos envio (evangelização)” (João 20:21) − do propósito eterno revelado nas Escrituras (Lucas 22:44-47) para compreensão de Seus discípulos (Atos 1:1-3).
B) A autoridade do Senhor está definida – “Eu vos escolhi... Eu vos designei para que vades e deis frutos e o vosso fruto permaneça” (João 15:16); “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, Ide, portanto...” (Mateus 28:20).
C) A capacidade do Senhor foi transmitida – “Ensinando todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mateus 28:20).
D) A companhia do Senhor é garantida – “Estarei convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mateus 28:20; Atos 27:23-24).
2. O MEIO É A IGREJA
Em Lucas 8:39 o curado foi por toda a cidade anunciando todas as coisas que Jesus lhe tinha feito, cumprindo a ordem de Jesus Cristo: “Volta... e conta”.
A) Comissionados – “Vós sois testemunhas” (Lucas 24:48; Marcos 16:15; Atos 1:8), testificando do que viram e sabiam. “Vós sois embaixadores" (2 Coríntios 5:20), identificados com Cristo no exercício do legítimo papel de Seus representantes no mundo.
B) Capacitados – A essencialidade do revestimento do poder do Espírito Santo (Lucas 24:49; Atos 1:4,5,8)
C) Enviados – “Para que deis fruto e o vosso fruto permaneça” (João 15:16). Para completar a missão, cuja primeira parte fora a obra redentora fielmente cumprida por Jesus Cristo, nos termos do plano soberano do Pai (João 20:21), para fazer discípulos (Mateus 28:19), para pregar o Evangelho a toda a criatura (Marcos 16:15), “tanto”, “como” e “até os confins da terra” (Atos 1:8).
D) Não há alternativa – Para se chegar à fé tem que se ouvir. Para se ouvir, tem que se pregar. Para se pregar, há que se ter pregadores. Para se ter pregadores, devem ser enviados (Romanos 10:14-15).
3. O CAMPO É O MUNDO
A) A constatação escriturística – “O campo é o mundo” (Mateus 13:38); “Em seu nome se pregasse a todas as nações” (Lucas 24:47); “Fazei discípulos de todas as nações” (Mateus 28:19); “Até os confins da terra” (Atos 1:8).
Diz Oswald Smith em “O Clamor do Mundo” (pgs. 30/40): “Há anos passados, examinei a Bíblia inteira para ver se poderia permanecer no Canadá e, mesmo assim, obedecer a Deus. Eu perguntava para mim mesmo: Ser-me-á possível desfrutar de um pastorado confortável, nunca atravessar as fronteiras do meu país e, mesmo assim, cumprir a ordem do meu Senhor? Ficaria Deus satisfeito com isso? Estudando a Bíblia, descobri expressões como estas: “Todas as nações”, “todo o mundo”, “toda a criatura”, “toda tribo, língua, povo e nação”, até aos confins da terra”. Em outras palavras, descobri o Evangelho sendo oferecido ao mundo inteiro. Cada nação, cada tribo e cada povo precisa ouvi-lo”.
B) O exemplo de Cristo – A pregação para Ele era mais importante do que a prática de sinais (curas e expulsão de demônios – Marcos 1:32-38). O envolvimento total do Senhor Jesus percorrendo todas as cidades e povoados para pregar o Evangelho (Mateus 9:35).
C) O exemplo da igreja primitiva – “Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui” (Atos 17:6). Outras referências: Atos 2:47, 4:4, 5:14, 5:42, 11:19-21, 13:1-5. A atuação paulina em Atos 26:19-20.
4. A VISÃO PERDIDA
"Erguei os vossos olhos e vede os campos, pois já branqueiam para a ceifa" (João 4:35).
"No alvorecer da era cristã, o Evangelho edificou uma sólida base no norte da África. Desenvolveram-se igrejas fortes. O progresso era grande. Bem cedo, mais de um quarto do número de igrejas da cristandade deveria originar-se ali. No terceiro e quarto séculos D.C., havia ali mais cristãos do que em qualquer outra parte do Império. As igrejas do Norte da África produziram grandes teólogos – Agostinho, Cipriano. Orígenes e Tertuliano. As igrejas obedeceram a Deus e levaram o Evangelho ao resto da África? A triste resposta é "NÃO". Aqueles crentes se esqueceram de sua principal razão de ser. As igrejas se enfraqueceram e, finalmente, sucumbiram ao avanço do maometismo e o cristianismo desapareceu da África. O fato solene é que, durante mil e quinhentos anos de história eclesiástica, a ênfase missionária se tem notabilizado pela sua ausência" (Normam Lewis em "O Ide é com você", pgs. 38 e 39).
A igreja tem perdido a visão missionária! Mais de 75% do total populacional do mundo ainda não foram alcançadas com a mensagem do Evangelho! Christian Weiss participou de uma conferência com um professor da Bíblia nacionalmente conhecido. Reuniam-se antes de cada trabalho. O professor bíblico orava: "Senhor, ajuda a nosso irmão a sustentar o objetivo missionário das conferências". Terminada certa vez a oração, o Sr. Weiss perguntou ao colega se o que ele dizia em oração era realmente o que se tencionava dizer. "O senhor não sente que também participou da responsabilidade missionária?", perguntou ele. E respondeu o famoso conferencista: "Eu sou professor da Bíblia". O Sr. Weiss insistiu em que a responsabilidade missionária pertence a cada crente. O mestre simplesmente observou: "Devo confessar que nunca pensei muito sobre isto". Era um homem cego. Sem visão missionária. Como pode alguém ensinar a Bíblia, pondo de lado as missões? A começar pelos Evangelhos, todo o impulso do Novo Testamento visa a responsabilidade que a Igreja tem de evangelizar o mundo. Diante do quadro que contemplamos, não nos parece claro que a Igreja perdeu a visão?
Há alguns anos, na Inglaterra, um assassino condenado – Charles Peace – estava sendo conduzido ao cadafalso para sua execução. A seu lado estava um clérigo que lhe falava. Passados alguns momentos, Charles Peace de súbito falou: "O senhor realmente crê no que está dizendo-me?" "Sem dúvida", respondeu o clérigo, um tanto abalado pela veemência da pergunta. "Não, o senhor não crê", retrucou Peace, com voz pesada. "Se eu cresse no que o senhor afirma crer, correria ou mesmo rastejaria por toda a Inglaterra e pelos campos, ainda que estivessem cheios de cacos de vidro, para falar a homens e mulheres a respeito da minha fé. Não, o senhor não crê mesmo naquilo que professa". Charles Peace não estava longe da verdade. Quantos de nós se encontram nas mesmas circunstâncias, podendo ser acusados da mesma maneira: "O senhor não crê mesmo no que professa, porque carece da visão da situação dramática do mundo perdido!".
- O nacionalismo que nada mais é do que uma atitude egoísta na área evangélica.
- O materialismo a que levam as ideologias modernas que limitam e até anulam as perspectivas dos valores espirituais.
- As religiões falsas e as seitas que se multiplicam, envolvendo muitos em comportamento contencioso.
- Ênfase errada à educação e ao intelectualismo que produz certo orgulho teológico. Framsom enviou para Hudson Taylor cem novos missionários. Tinham pouca ou nenhuma educação e, quando Taylor os viu, escreveu a Framsom, repreendendo-o por havê-los enviado. Dois anos mais tarde, tornou a escrever-lhe. Tinha visto a obra de que eram capazes. Tinham alcançado sucesso por quanto eram homens cheios do Espírito Santo e Deus lhes dera o idioma e abençoara os seus esforços e agora Hudson Taylor queria mais obreiros iguais àqueles (O Clamor do Mundo – pag. 55).
- Abandono do método paulino, demonstrado em 2 Timóteo 2:2. A importância do discipulado, determinado e exemplificado pelo Senhor Jesus ("fazei discípulos" – Mateus 28:19). Vemo-Lo treinando doze, em primeiro lugar, e depois treinando setenta para serem enviados. A aplicação desse método teve grande eficácia no início da Igreja (Atos 19:8-10), resultando na evangelização de toda a Ásia; Atos 14:21 – "feito muitos discípulos". A Missão das Índias Ocidentais tem comprovado esse método. Tudo começou em Cuba, onde estabeleceram uma escola, mais tarde organizaram outra escola na República Dominicana e outra ainda na Jamaica. Em seguida deram início a uma quinta Escola Bíblica nas Ilhas Formosas. Qual tem sido o resultado? Os estudantes, às centenas, têm saído dessas escolas bíblicas por todo o comprimento e a largura das Ilhas Ocidentais e mais de oitenta mil pessoas têm sido ganhas para o Senhor Jesus Cristo. Foi adotado o método paulino (informação de 1959).
- A preocupação exclusivamente doméstica da Igreja que a leva a instrumento do lazer pessoal dos membros, transformando-a em clube social. Em Marcos 6:37, Jesus Cristo disse dos apóstolos que sugeriam que o Mestre despedisse a multidão para que fosse alimentar-se: "dai-lhes vós de comer". Tomou os pães e os peixes, abençoou-os e os partiu, dando aos discípulos para distribuírem para que todos ficassem satisfeitos. A preocupação exclusivamente doméstica da Igreja faz que ela passe a cesta somente na primeira fileira, servindo-a, apenas a ela, várias vezes, esquecendo-se totalmente das fileiras de trás, que padecem fome do mesmo pão e do mesmo peixe.
- Falta de obediência ao pedido do Senhor quanto à necessidade de obreiros para a seara. Em Mateus 9:37-38, o Senhor Jesus procurou conscientizar os discípulos da carência de trabalhadores e determinou-lhes que rogassem ao Senhor da seara que mandasse trabalhadores. Que envolvimento a Igreja está tendo nessa importante atitude intercessora. Praticamente nenhum! Por isso perdeu a visão missionária!
- Falta de compreensão da sua responsabilidade quanto ao plano de Deus. Em Marcos 13:10 o Senhor advertiu de que é necessário que o Evangelho seja pregado a todas as nações. E em Mateus 34:14 deixa claro que será pregado este Evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho de todas as nações. Então virá o fim.
- Preocupação exclusiva com "portas fechadas". Por questão de comodidade, a Igreja fica a olhar somente para as "portas fechadas" e orando somente por elas, deixando de ver tantas coisas que se encontram abertas, esperando que entremos por elas! Paulo evitava as portas fechadas.
- Falta de paixão pelas almas perdidas. Em Marcos 8:36-38, o Senhor Jesus nos leva a perceber o valor da alma humana ("mais do que o mundo inteiro"). Paulo se declara devedor amplamente nesta área (Romanos 1:14-16) e se diz pronto! Falta-nos a mesma compaixão que Jesus Cristo sentiu ao ver as multidões aflitas e exaustas, como ovelhas que não têm pastor (Mateus 9:36). Por outro lado, agimos como se não estivéssemos convencidos de que os homens estão perdidos (Efésios 2:1,3,12) e de que Jesus Cristo é o único meio de salvação (Atos 4:12; João14:6).
5. PRINCÍPIOS BÁSICOS
- O sucesso de qualquer movimento está na razão direta da aplicação de todos os seus adeptos na propagação dos seus princípios (Atos 8:4).
- Todo o cristão é chamado para ser testemunha de Cristo (2 Timóteo 2:2), indo ou mandando ir
- O testemunho pessoal é relacionado com o testemunho da igreja local e com o testemunho total do corpo de Cristo (2 Coríntios 5:19 e 6:1).
- A Igreja não existe para servir os membros, mas é composta de membros para servir a Deus na salvação do mundo da sua culpa (João 20:21).
- Devemos atuar aproveitando ao máximo as oportunidades (Atos 16:6-10,13).
6. O QUE FAZER?
A Igreja não pode se furtar à sua responsabilidade missionária, bem definida como propósito divino das Escrituras.
- Ezequiel 3:17-19 – O atalaia é responsável perante Deus e responderá diretamente a Deus pela sua injustificada negligência!
- 1 Coríntios 9:16 – Paulo declara: "Sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim, se não pregar o Evangelho!"
O Dr. Alexandre Duff, aquele grande missionário veterano da Índia, regressou à Escócia a fim de morrer e, apresentando-se à Assembleia Geral da sua igreja, fazia apelo para a apresentação de novos missionários, sem obtenção de resposta. No meio do seu apelo, perdeu os sentidos e foi transportado para fora da plataforma. Um médico se curvou sobre ele e lhe examinou o coração. Foi nesse instante que ele abriu os olhos.
- Onde estou, perguntou, onde estou?
- Fique quieto, recomendou o médico, você está tendo um ataque de coração!
- Mas ainda não terminei o meu apelo, exclamou o Dr. Duff, leve-me de volta.
- Fique quieto, insistiu uma vez mais o médico, se você voltar porá em perigo a própria vida.
Porém, a despeito dos protestos do médico, o idoso guerreiro se esforçou para se pôr de pé e, com o médico ao seu lado e o moderador da assembleia do outro, subiu novamente à plataforma e, ao fazê-lo, a assembleia inteira se ergueu para prestar-lhe homenagem. Então, quando todos já estavam assentados, ele prosseguiu o seu apelo, dizendo:
- Quando a rainha Vitória pede voluntários para a Índia, centenas de jovens respondem ao apelo, porém, quando o Rei Jesus chama, ninguém se apresenta. É verdade que os pais e as mães da Escócia não têm mais filhos para dar à Índia?
Novamente fez uma pausa. Ainda não havia resposta.
- Muito bem, concluiu ele, então, ainda que seja idoso, voltarei para a Índia. Poderei deitar-me às margens do Rio Ganges e morrerei ali, e dessa maneira poderei fazer o povo da Índia entender que, pelo menos, houve um homem na Escócia que os amou bastante para dar a eles a sua vida.
No instante seguinte, jovens por toda a assembleia saltaram sobre os pés, exclamando: - Eu irei! Eu irei!
E depois que o idoso e encanecido guerreiro foi deitar-se para descansar, esses jovens, uma vez formados, encontraram o seu caminho até a infeliz Índia, onde trabalharam como substitutos dele, em prol do Senhor Jesus Cristo (O Clamor do Mundo – pag. 50).