1 Coríntios 10:1-13
É notória, em áreas chamadas evangélicas, a séria preocupação com a postura carnal, consciente e leviana, adotada por muitos que se denominam cristãos. Na verdade, esse era assunto que já preocupava muito o apóstolo Paulo, como se constata em suas preciosas cartas às igrejas. Nas suas exortações no sentido da luta firme contra as paixões carnais, refere-se Paulo, no texto acima mencionado, ao exemplo expressivo da história dos israelitas, nas suas andanças pelo deserto. Deus teve que castigar os que se desviaram do caminho da retidão, embora participando dos sinais externos de pertencerem a Israel.
A chave do trecho é o versículo 11... ”estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa”. O Dr. Scroggie escreve a respeito do trecho: “a última parte de 9:27 pode ser tomada como chave de 10:1-22. O assunto é a possibilidade e o perigo de ser desaprovado. Foi este o caso do israelita (1-10). Notemos: (1) Seus privilégios (1-4). Cinco deles são referidos e devem ser procurados no Velho Testamento por meio das referências; (2) Sua perversidade (6-10). Aqui são mencionadas cinco coisas: cobiça, idolatria, fornicação, provocação, desespero. Segue depois (3) Sua pena (8-10). Foram derrotados e pereceram, contudo haviam sido remidos do Egito por sangue. Nós cristãos devemos pensar que uma pecaminosa perversão de privilégios trará certamente o castigo”.
Vejamos como Paulo nos exorta, exemplificando com a história do povo de Israel.
1. A fidelidade de Deus (vs. 1-4)
A fidelidade de Deus é demonstrada por Paulo pela menção dos privilégios que concedeu ao seu povo. Note a expressão “todos” por várias vezes. A bênção alcançou a todos. Os israelitas, sem exceção, receberam os sinais da bondosa mão do Senhor sobre eles. Isso dá força ao lembrete do versículo 5 de que a maioria pereceu! Deus não discrimina. A graça é para todos! Os fatos históricos mencionados estão relatados em Êxodo 13:21-22; 14:19-24 etc. São mencionados:
1) “estiveram todos sob a nuvem” (v. 1) – Fala da bênção da direção divina. Quando Deus dirige os passos não há obstáculos que não possam ser superados! Veja: “todos passaram pelo mar”.
2) “tendo todos sido batizados” (v. 2) – Fala da união do povo a Moisés. Moisés é um tipo de Cristo. Foram colocados sob a liderança de Moisés, como nós sob a liderança de Cristo. Essa é a ideia do “batismo”. Vemos em Êxodo 14:31 que o resultado final do grande milagre da passagem através do mar e a experiência do grande livramento alcançado, foi “confiar no Senhor, e em Moisés, Seu servo”.
3) “comeram de um só manjar espiritual” (v. 3) – Fala do sustento infalível do Senhor. Foram todos sustentados pelo maná (Êxodo 16:4,13 e seguintes), mencionado por Paulo como “manjar espiritual”. O adjetivo usado pelo apóstolo não está pondo em dúvida a realidade física do maná. É a maneira como destaca a origem divina do maná e o seu valor como figura do alimento espiritual que somente o Senhor nos pode dar (Salmo 78:24 conforme João 6:32-35, 48).
4) “beberam da mesma fonte espiritual” (v. 4) – Fala da satisfação plena que o Senhor é. Os israelitas não tiveram apenas o alimento espiritual, que sustenta, mas a bebida espiritual que satisfaz plenamente. Interessante notar que Paulo acrescenta uma explicação que não fizeram em relação à comida. Refere-se a Cristo. Ao fazê-lo, transfere para Cristo o título “a pedra” ou “a rocha”, empregada no Velho Testamento com relação a Jeová (Deuteronômio 32:15; Salmo 18:2 etc.). Há evidente implicação com a preexistência de Cristo e referência tipológica à Sua missão redentora. Veja que no fato histórico a “rocha” foi golpeada para a obtenção da água (Êxodo 17:6; Números 20:13). A expressão “pedra espiritual que os seguia” não nos deve levar a admitir que Paulo estivesse aceitando a lenda rabínica de que a pedra de Refidim, da qual jorrou a água, acompanhava os israelitas em sua viagem. É possível que ele aludiu à citada fantasia, dando-lhe a interpretação espiritual, como figura de Cristo, de forma alegórica. Lightfoot comenta que foram as correntes de água que os seguiram, e não a pedra. Temos na “água” e no “maná” analogias ao “batismo” e à “Ceia do Senhor, nas experiências do povo de Israel.
2. A infidelidade dos israelitas (vs. 6-10)
1) A cobiça (v. 6) – Cobiça é o desejo intenso de qualquer natureza. No Novo Testamento é empregado mais comumente com relação às paixões más do que aos bons desejos. Os israelitas manifestaram a “cobiça” quando preferiram a comida do Egito ao maná oferecido por Deus (Números 11:4).
2) A idolatria (v. 7) – Substituir a necessária, exclusiva e prioritária devoção a Deus por outras devoções. Está aí uma séria advertência contra a idolatria, oportuna, em razão do problema em Corinto com o qual Paulo estava lidando. Paulo cita Êxodo 32:6, onde o “comer”, o “beber” e o “divertir-se” representavam uma típica festividade idolátrica. Muitas vezes uma festividade desse tipo degenera em devassidão. As mais baixas paixões dos homens poderiam ser portas abertas nos próprios atos de adoração, e muitas vezes realmente o eram. É também uma oportuna advertência para os nossos dias, quando a atitude religiosa é tristemente misturada com esse tipo de comportamento, com funestas consequências para a vida espiritual! Devemos ter cuidado com o tipo de participações festivas de que participamos hoje em dia, muitas vezes com conotação religiosa.
3) a imoralidade [fornicação] (v. 8) – A imoralidade (fornicação) fazia parte de muitos cultos idolátricos. Paulo faz uma remissão histórica a Números 25:1,3,9. Achavam-se prostitutas “sagradas” em muitos santuários, neste aspecto Corinto tinha notoriedade. Israel “começou... a prostituir-se com as filhas dos moabitas” (v. 1), “juntando-se... a Baal-Peor” (v.3). O julgamento veio na forma de uma praga, e pereceram 24.000 (v. 9). Paulo refere-se a 23.000. O número de Paulo é o de mortos em um só dia. O de Números 25:9 indica que houve outras mortes depois. Ambos são números redondos. Temos neste texto o grave perigo que a indulgência para com a idolatria expõe os homens. Normalmente a consequência da “idolatria” é a “imoralidade”.
4) A provocação (v. 9) – O povo pusera o Senhor (Jeová) à prova, isto é, tentava o Senhor. A expressão tem o sentido de “desafiar” (Números 14:22 e seguintes; 21:5 e seguintes; Mateus 4:7). Tentaram o Senhor para ver até que ponto Ele podia ir. A queixa fora contra a alimentação. Por causa disso o Senhor enviou serpentes.
5) A murmuração (v. 10) – Era usual o povo agir assim, resmungando ou se queixando sem qualquer razão ou por qualquer motivo. Lemos em Números 14:2,36; 16:11,41, a respeito dessa murmuração; em cada ocasião havia um castigo apropriado. A referência feita no texto ao “exterminador” (destruidor) é ao extermínio do bando de Coré em Números 16.
3. A penalização divina (vs. 5, 8-10)
No versículo 5 Paulo deixa claro que “Deus não se agradou da maioria deles” e penalizou-os severamente: “razão porque foram prostrados no deserto”. Séria advertência à negligência pecaminosa no comportamento fora do padrão do Senhor! Nos versículos 8-10 vemos alguns dos castigos impingidos pelo Senhor aos que vivem confrontando a Sua vontade e praticando os pecados aí referidos. Aprendamos a lição e confiramos nossa atitude cristã à luz da Palavra do Senhor.
4. O sentido exemplar das referências históricas (vs. 6, 11-13)
Tanto no versículo 6 como no 11, Paulo ensina que “estas coisas se tornaram exemplos para nós” e “foram escritas para advertência nossa”. Essas coisas não devem ser consideradas apenas como história. Aconteceram como exemplos, valendo como instrução no conhecimento de Deus. Deus tinha um propósito com tudo isso. A palavra “século” no versículo 11 tem o sentido de “eras”. O pensamento pode ser uma série de épocas, ou pode relacionar-se a vários períodos da história, como a “era de Israel”, a “era dos gentios”. Aqui “fins dos séculos” significaria algo como clímax ou consequência da história passada. Há também a ideia de que a vinda de Cristo tem significação decisiva. Cristo pôs fim a todas as eras anteriores.
No versículo 12 há uma ideia semelhante à de 9:27. Note-se que a advertência é para que possam estar em pé. Tal confiança deve-se sustentar nas promessas de Deus e na fiel aderência às condições nelas implícitas. A tentação sempre procura afastar-nos do modo correto de vida. A “presunção” é “pressuposto de queda”. Mas, como Paulo ensina no versículo 13, Deus guarda o crente nesse particular e se o mesmo se apoiar em Deus achará o meio de escape, mostrado pelo Senhor. A segurança dada nesse versículo é um permanente consolo e fonte de energia para todos nós cristãos. A nossa confiança está na fidelidade de Deus.
Conclusão – À vista dessa objetiva exortação de Paulo, feita com o subsídio do exemplo da história do povo de Israel, ficamos seriamente responsabilizados perante o Senhor no que diz respeito à maneira como nos devemos portar neste mundo, que tanto nos induz ao atendimento das paixões carnais que nos rodeiam e nos pressionam. Sejamos fiéis!