As circunstâncias do ministério

2 Coríntios 4:8-18

O exercício do ministério do Senhor é um dos maiores privilégios do cristão. Infelizmente, muitos são os que, nestes tempos de distorções e confusões conceituais sobre o cristianismo autêntico, movidos por seus interesses e vaidades pessoais, se distanciam, sobremodo, dos princípios bíblicos que o informam e definem o seu conteúdo, as circunstâncias que o envolvem e o modo do seu correto exercício.

Ser cristão não significa estar imune às contingências adversas e circunstâncias desfavoráveis na experiência do fiel ministério cristão. O Senhor Jesus nos preveniu a respeito (João 16:1-4,33; 15:19-20). O que Paulo ensina no trecho que tomamos como base desta meditação é uma demonstração notável dessa verdade. Paulo expõe aspectos inevitáveis de circunstâncias adversas do ministério, mas evidencia em confortadora contrapartida, as experiências altamente recompensadoras que o Senhor, afinal, nos oferece no meio de tantas contrariedades.

Vejamos:

Aspectos diversos das circunstâncias adversas do ministério (vs. 8-9).

Há duas séries de particípios verbais (quatro em cada série), em contraste, usados por Paulo, que se relacionam gramaticalmente a "nós" ("somos"). Esses particípios aparecem em ordem ascendente, com um crescendo, e são paradoxais e antitéticos, no confronto das duas séries, contrastando "a natureza" com "a graça". Essa notável exposição paulina tem base no que expõe em 2:14 e versos seguintes e nos conduz, em ascensão, a 6:4-10.

1 - "Em tudo somos atribulados, porém não angustiados" – A expressão "somos atribulados" tem o sentido de "oprimidos de toda a maneira". Nunca estamos livres de uma ou outra provação. Estamos no mundo e, por conseguinte, esperamos tribulações. Contudo, não estamos "angustiados". Temos a paz de Deus (Filipenses 4:7), as manifestações do Seu amor e do Seu cuidado; temos liberdade para nos chegarmos ao Seu trono, bem como a graça suficiente para toda provação (2 Coríntios 12:9).

2 - "...perplexos, porém não desanimados" – A palavra "perplexo" significa "dúvida" ou "incerteza". Muitas vezes estamos incertos e duvidosos acerca do que nos irá acontecer e, por vezes, não sabemos o que devemos fazer, que caminho devemos tomar, nem como as nossas necessidades irão ser supridas. Todavia "não desanimamos". Não nos desesperamos porque contamos com a "orientação", a "ajuda", a "presença" e o "apoio" por parte do Senhor.

3 - "...perseguidos, porém não desamparados" – Podemos ser perseguidos pelos homens, amaldiçoados, ameaçados e desprezados por confessarmos a Cristo e pregarmos a Cristo crucificado, ressurreto e exaltado. Tal experiência adversa pode, até, ter origem na equívoca atitude de alguns que, dizendo-se filhos de Deus, não se colocam como fiéis seguidores do padrão ético cristão, não compreendem a importância da não conformação com o mundo, e atacam os que se mantêm fiéis no ensino e na orientação do comportamento cristão correto. Porém, "não estamos desamparados" pelo Senhor a quem pertencemos e que nos faz sempre triunfar em Cristo (2 Coríntios). Nem tampouco somos desamparados ou abandonados por aqueles que amam o Senhor, pois esses nos apoiam e sustentam com oração e provisões confortadoras.

4 - "...abatidos, porém não destruídos" – Podemos nos sentir abatidos como um "vaso de barro", por vezes lançado fora ou atirado ao chão, aparentemente esquecido e abandonado. Mas "não somos destruídos". Vivemos pela poderosa força de Deus e somos imortais até que a obra "em nós", "por meio de nós" e "para nós" esteja completa. Qualquer que seja a condição dos filhos de Deus neste mundo, há sempre um "mas não" que os consola. Ainda que o seu caso possa ser difícil, contudo nunca é desesperador, pois Ele é a sua esperança! Se experimentarmos a presença de Cristo e o Seu poder em nossa vida, absolutamente nenhuma aflição, perturbação, enfermidade ou tragédia provocará nossa derrota espiritual. Quando as circunstâncias exteriores se tornam insuportáveis e nossos recursos humanos se esgotam, os recursos divinos nos são dados para aumentar e desenvolver nossa fé, esperança e força. Deus não abandonará seus filhos fiéis, em nenhuma circunstância (Romanos 8:35-39; Hebreus 13:5).

A IDENTIFICAÇÃO com Cristo nas circunstâncias adversas do ministério (v. 10)

Paulo diz-nos: "levando sempre no corpo o morrer de Jesus". Paulo compara aí a sua própria perseguição e sofrimentos constantes com os de Jesus Cristo, de cuja morte e ressurreição, o apóstolo, consequentemente, compartilha (Gálatas 2:20; Colossenses 1:24). Era assim que Paulo podia interpretar os sofrimentos que suportava, ministrando no nome de Cristo. Seu Mestre sofrera grandes aflições nos dias de Sua vida na carne, e o discípulo está pronto para experimentar os mesmos dissabores, porque neles e por eles sente consigo a presença de Cristo, transformando as aflições mortais em retumbante vitória. Em 2 Timóteo 2:3 Paulo aconselha o seu filho na fé Timóteo: "participa dos meus sofrimentos, como bom soldado de Jesus Cristo", ensinado-lhe a desenvolver a necessária "resignação sofredora". Estamos sujeitos aos mesmos ódios, sofrimentos e entrega à morte que o Senhor sofreu. Somos um com Ele e, por conseguinte, o mundo que O odeia, odeia também a nós. Não podemos esperar melhor tratamento do que aquele que foi dado ao Senhor.

A VIDA manifesta nas circunstâncias adversas do ministério (vs. 11-12)

Em João 14:19 o Senhor afirmou: "Porque eu vivo, vós também vivereis". Paulo afirma "para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo" (v. 10) e "para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal" (v. 11). No v. 12 ele diz: "em nós opera a morte: mas em vós a vida". Há dois aspectos aí da manifestação da vida nas circunstâncias adversas do ministério:

1 - A vida em nós ("em nosso corpo" e "em nosso corpo mortal") – A vida de Jesus Cristo se manifesta no corpo do discípulo, isto é, nas experiências adversas do seu ministério, na medida em que ele "se considera morto para o pecado, mas vivo para Deus em Cristo Jesus" (Romanos 6:4-11). A nossa morte é vida para nós.

2 - A vida naqueles a quem ministramos ("em nós opera a morte; mas em vós a vida"). O poder da graça, da força, da consolação e da paz do Senhor manifesta-se diariamente "a nós" e "em nós", à igreja e ao mundo. Os apóstolos e os ministros do Evangelho parecem ser o alvo principal do ódio de Satanás e da inimizade do mundo, mas Deus usa até mesmo estas provações para chamar as Suas ovelhas por meio da Palavra (2 Timóteo 2:9-10). Os nossos sofrimentos são para proveito dos que estão sem Cristo. O Evangelho que pregamos à custa das perseguições, provação e mesmo a própria morte, é o meio de trazer os ainda perdidos ao Evangelho da vida.

A FÉ manifesta nas circunstâncias adversas do ministério (v. 13).

É notável a afirmação de Paulo quanto à convicção que tinha no exercício do seu ministério, apesar das circunstâncias adversas! Ele declara que tanto ele como os seus cooperadores têm "o mesmo espírito da fé" que havia em Davi, que escreveu no Salmo 116:10... "Cri, por isso falei". Nós também cremos em Deus, no Seu eterno propósito em Cristo, na total ruína e incapacidade do homem, na Pessoa e na obra do Senhor Jesus Cristo e na ressurreição dos crentes para a vida eterna. Portanto, falamos destas verdades, seguindo o exemplo dos santos do Velho Testamento (Romanos 4:19-25). Confiança pessoal em Deus conduz ao testemunho por Ele, ainda que as circunstâncias do ministério sejam aflitivas.

A ESPERANÇA manifesta nas circunstâncias adversas do ministério (v. 14)

Embora esteja oprimido, a perspectiva de Paulo é de esperança ("aquele que ressuscitou ao Senhor Jesus, também nos ressuscitará com Jesus, e nos apresentará convosco"). Uma dupla e gloriosa esperança estão aí afirmadas: (I) - seremos ressuscitados; (II) - estaremos com Ele para sempre (1 Tessalonicenses 4:13-18). Estamos certos de que Deus, que ressuscitou ao Senhor Jesus como primícias dos que dormem, também, pelo mesmo poder que emana d'Aquele que está assentado à Sua destra, ressuscitará os nossos corpos mortais, sabendo que Cristo ressuscitou e a Sua Ressurreição é a garantia da nossa ressurreição (1 Coríntios 15:20-27). Na ressurreição reunir-nos-emos todos e seremos apresentados a Deus por Cristo, redimidos pela Sua vida e lavados pelo Seu sangue (Judas 24,25).

A GRATIDÃO manifesta nas circunstâncias adversas do ministério (v.15)

Paulo diz que "todas as coisas existem por amor de vós". Tudo o que Paulo tem mencionado desde o eterno propósito de Deus, as profecias, as promessas e os símbolos do Velho Testamento, a encarnação, obediência, morte, ressurreição e exaltação de Cristo, até à chamada, pregação e sofrimentos dos apóstolos foi "por amor de vós"! Assim, tudo isso é evidência da inquestionável "graça" de Deus. E a "graça, multiplicando-se, torna abundantes as ações de graças (gratidão) por meio de muitos, para glória de Deus". Quanto mais a graça, o favor e as bênçãos de Deus são revelados às multidões, mais honra, glória, louvor e gratidão são dados ao nosso Deus (1 Coríntios 1:30-31).

• A GLÓRIA manifesta nas circunstâncias adversas do ministério (vs. 16-18)

No versículo 16 Paulo dá um testemunho muito bonito da sua experiência sofredora "o nosso homem interior se renova dia a dia". O espírito de Paulo revigorava-se mais e mais nos seus trabalhos por Cristo, a despeito do esgotamento físico a que as aflições o submetiam. O nosso homem interior, criado em Cristo Jesus, está crescendo e tornando-se cada dia mais forte na graça e na fé de Cristo. O "homem exterior" é o nosso corpo físico, sujeito à decadência, que vai caminhando para a morte por causa da mortalidade e aflições da vida (v. 17). O "homem interior" é o espírito humano; o nosso ser interior, que recebe a vida espiritual de Cristo. Embora o nosso corpo envelheça e decaia, experimentamos a renovação contínua, mediante a outorga constante da vida e poder de Cristo, cuja influência capacita a nossa mente, nossas emoções e vontade a se conformarem com a sua semelhança e propósito eterno.

Os versículos 17 e 18 revelam como a experiência adversa das circunstâncias presentes pouco significa face à abundância de GLÓRIA que temos em Cristo. As aflições e as privações suportadas na vida dos que permanecem fiéis a Cristo, são leves em comparação com essa abundância de glória. Essa glória já está parcialmente presente, mas só no futuro será experimentada plenamente (Romanos 8:18). Quando alcançarmos a nossa herança no céu, poderemos dizer que as tribulações mais severas não eram nada em comparação com a glória do estado eterno. Não devemos, pois, desesperar-nos, perder a esperança, nem deixar a nossa fé diminuir em meio aos nossos problemas ("as coisas que se veem"). Alguém disse uma vez que há duas coisas que sustêm o crente sob a provação: primeiro, ver o propósito e a mão do Senhor em tudo (Hebreus 11:27; Romanos 8:28); segundo, olhando pela fé para além deste mundo, para aquela glória que Deus preparou para aqueles que O amam (Hebreus 11:9-10). As coisas do além, que somente vemos, sentimos e provamos pela fé, por meio da graça de Deus, são eternas.

Conclusão

O ministério cristão é privilégio inaudito dos verdadeiros filhos de Deus e não deve ser exercido levianamente, para a satisfação dos nossos próprios interesses e vaidades pessoais. Devemos buscar exercitá-lo, mas vivenciando-o, abundantemente, nos exatos termos do ensino bíblico, em obediência aos ditames do Senhor e, rigorosamente, nos limites dos padrões por Ele estabelecido, para correspondermos ao Seu Soberano querer, sejam quais forem as circunstâncias que nos envolvam, glorificando-O em tudo, no fiel cumprimento de nosso dever ministerial.