“E, assim, se alguém está em Cristo é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”
2 Coríntios 5:17
Conferência proferida pelo irmão Jayro Gonçalves no Congresso das Igrejas dos Irmãos de Portugal em 17/04/2010
II - O MUNDO COMO A HUMANIDADE: DEVEMOS AMAR O NOSSO PRÓXIMO
- Conceitos bíblicos
O mundo - Até agora consideramos a expressão mundo como “espaço terrestre”. A Bíblia usa também a palavra mundo no sentido de “humanidade”. Em João 3:16 vê-se esse conceito adotado, quando o evangelista João fala sobre o amor de Deus: “Deus amou de tal maneira o mundo”. O que esse texto quer dizer é que Deus amou a humanidade, isto é, o ser humano. Amar o ser humano é, sem dúvida, a responsabilidade maior do cristão perante o mundo, como evidência natural de sua condição de nova criatura.
O amor - Há três sentidos específicos adotados para a palavra amor, definidos por três palavras gregas diferentes:
- “Eros”: refere-se ao “amor sexual”
- “Phileo”: refere-se ao “amor amizade”
- “Agape: refere-se ao “amor espiritual”
Trataremos aqui, preponderantemente, do amor no seu terceiro sentido acima mencionado.
- O amor no homem criado e frente à crise do pecado
O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26,27). Assim, a criatura humana foi dotada de características do próprio Criador. Entre essas características, uma das mais notáveis foi a de ser dotado da capacidade de amar. Lemos em 1 João 4:8,10 que “Deus é amor”, do que se depreende que a melhor definição do amor é Deus!
Antes de pecar o homem usufruía da plena capacidade de amar. Privilégio inaudito! Mas o pecado, entre tantos malefícios contundentes que trouxe à raça humana, causou-lhe o imenso prejuízo de despojá-lo dessa capacidade. Desde então o ser humano ficou privado de exercer o amor, no seu sentido espiritual, pois foi separado de Deus, que é Amor, e dEle afastado (Isaías 59:2). Triste e dramática realidade que o infelicitou, afetando-o, terrivelmente, de forma negativa e definitiva! O pecado anulou completamente, no homem, a capacidade de amar, levando-o, inexoravelmente, às práticas mais reprováveis, inteiramente fora do padrão de Deus, prejudiciais a ele próprio e ao seu semelhante, afrontando rude e flagrantemente a Deus e a Sua Santidade (Gênesis 6:5; Jeremias 17:9; Romanos 3:10-18).
Viu-se o homem, ainda, na contingência dessa realidade, na absoluta impossibilidade de, por si mesmo, reverter tal situação.
- Amar é o grande e primeiro mandamento
Em Mateus 22:34-40 temos uma passagem na qual o Senhor classificou o exercício do amor como o grande e o primeiro mandamento. Ao ser interrogado por um saduceu a respeito, o Senhor disse: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e o primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
É oportuno verificar que o Senhor Jesus, no v. 40, realça o fato de que do exercício do amor “dependem toda a Lei e os Profetas”. Sabe-se que essa expressão - “Lei e Profetas” - é usada nas Escrituras para identificar a própria Palavra de Deus, no seu todo, que é o roteiro para o exercício da “religiosidade”. Prefiro a palavra “espiritualidade”. Com referida afirmação, o Senhor está a dizer que a “espiritualidade” inexiste se a prática da “religiosidade” não contempla e não vivencia o amor a Deus e o amor ao próximo. Conclui-se, pois, que sem amor não há “espiritualidade”, mas somente vã e inútil “religiosidade”, pois a Palavra de Deus perde a sua eficácia em nossa experiência de vida cristã.
- O processo divino para restauração, no homem, da capacidade de amar
Deus, que nunca deixou de amar a Sua criatura, apesar do pecado que Ele sempre detestou, não abandonou o Seu alvo eterno de fazê-la instrumento da prática do Seu amor. A restauração, no homem, da sua capacidade de amar, foi iniciativa de Deus, seguindo um maravilhoso processo do Seu próprio amor para conosco, a saber:
1. Deus declarou de forma expressa o Seu amor, já a partir do momento subsequente ao triste fato da queda do homem. A Sua Palavra, ao homem caído, fez-se logo ouvir: “Onde estás?” (Gênesis 3:9); “Que é isso que fizestes?” (Gênesis.3:13). Oportunas perguntas a evidenciar o Seu interesse amoroso na restauração do homem dEle afastado, já caído e carente de amor. A par de ser uma declaração para conscientizar o homem da sua desgraça irreversível, foi uma maravilhosa declaração do Seu amor restaurador. Na sequência do diálogo, fica patentemente declarada a garantia da restauração, no homem, da capacidade de amar, anulada pelo pecado.
O Senhor, solenemente, declara, que o “descendente” da mulher feriria a cabeça da serpente, figura de Satanás, agente da realidade pecaminosa do ser humano, espoliador da sua capacidade de amar! (Gênesis 3:15). Essa declaração foi alvissareira promessa, cabalmente cumprida na Obra Redentora de Cristo. A Palavra de Deus manifesta, em todo o seu bojo, expressada através de símbolos, figuras ou exemplos, a declaração do amor de Deus feita a raça humana. Afinal, em João 3:16, declara a Palavra de Deus essa preciosa verdade, na seguinte expressão “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira...”. A declaração do amor de Deus está na Sua Palavra.
2. Deus revelou o Seu amor, de forma objetiva, ao nos disponibilizar, graciosamente, o Seu próprio Filho, o Senhor Jesus Cristo, que é a personificação do Seu amor para conosco. Diz João 3:16: “que deu seu Filho unigênito...”. A Sua presença, a Sua palavra, o Seu poder, enfim o Seu substancial ministério entre os homens, feito na soberana e integral vontade do Pai, revelam a infinita grandeza do amor de Deus. Foi uma doação, sem qualquer contrapartida, da pessoa do Filho de Deus, manifestando a magnitude da Sua graça para conosco. A revelação do amor de Deus é Jesus Cristo.
3. Deus provou o Seu amor para conosco, como afirma Paulo: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Romanos 5:8). A Sua morte expiatória no Calvário, em nosso lugar, pagando o preço de nossos pecados, recebendo o castigo que merecíamos e satisfazendo a justiça de Deus, foi a prova cabal do amor de Deus. Como diz Paulo: “aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). A prova do amor de Deus é o Calvário.
4. Deus derrama em nossos corações o Seu Amor pelo Espírito Santo que nos foi outorgado (Romanos 5:8). Uma vez estabelecida a nossa reconciliação com Deus (2 Coríntios 5:18), eis-nos em condições de sermos favorecidos com a interiorização do amor de Deus, o que nos recapacita a, também, exercitar o amor em toda a sua plenitude. Isso acontece pela operação maravilhosa do Espírito Santo, que em nós passa a habitar, a partir do exercício da nossa fé salvadora.
A interiorização do amor em nós é outorgada pelo Espírito Santo. Está aí exposto o maravilhoso processo de Deus para a recapacitação do homem para o exercício do amor.
- Condições para o exercício do amor e seus resultados
Em 1 João 4:7-18 encontramos alguns aspectos importantes que implicam no correto exercício do amor:
1. O amor procede de Deus, que é amor (vs. 7, 10). Deus é a fonte de todo o amor.
2. Só os que são nascidos de novo e conhecem a Deus têm capacidade de amar (vs.7, 8).
3. O amor é dever pessoal; ao cristão é imperativo amar (vs. 11, 20, 21).
4. O amor exige comunhão com Deus (vs. 12, 13, 15, 16).
O verbo “permanecer” implica com o exercício da comunhão com Deus: Deus permanece em nós (v. 12); permanecemos nEle (vs. 13,15); quem permanece no amor, Deus permanece nEle (v. 16); o amor produz confiança (v. 17); o amor afasta o medo (v. 18); o amor se aperfeiçoa em nós e nos aperfeiçoa (vs. 12, 17, 18).
- O amor não é mero sentimento, é atitude
Em 1 Coríntios 16:14, Paulo nos ensina: “Todos os vossos atos sejam feitos com amor”. Constatamos, assim, que amor não é mero sentimento, mas atitude, pois deve ser manifestado em todos os nossos atos.
Vemos em 1 Coríntios 13:4-8,13 algumas notórias e necessárias evidências do amor em nossa atitude: O amor é paciente; o amor é benigno; o amor não arde em ciúmes; o amor não se ufana; o amor não se ensoberbece; o amor não se conduz inconvenientemente; o amor não procura os seus interesses; o amor não se exaspera; o amor não se ressente do mal; o amor não se alegra com a injustiça; o amor regozija-se com a verdade; o amor tudo sofre; o amor tudo crê; o amor tudo espera; o amor tudo suporta; o amor jamais acaba; o amor é a maior virtude. São todas essas atitudes irrecusáveis no comportamento do cristão, como prova do correto exercício do amor.
Na verdade ao vivenciar tais características, estaremos obedecendo ao que o Senhor Jesus Cristo ordenou, com ênfase, aos Seus discípulos: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros“ (João 13:34). “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (João 15:12). “Isto vos mando: que ameis uns aos outros” (João 15:17).