2 Coríntios 6:1-10
O apóstolo resume no texto acima indicado, em termos gerais, a obra e o caráter de um servo (ministro), focalizando a sua “conduta no ministério”. Conceitua o “ministério cristão”, evidencia a motivação do seu exercício, faz exortações pertinentes e, afinal, oferece o exemplo proveitoso do exercício de seu ministério, em todas as suas implicações. Seus ensinos aí são sobremodo oportunos para o momento atual da vida ministerial. Vejamos:
1. Conceito (v. 1)
Paulo começa por conceituar o nosso necessário envolvimento no ministério “na qualidade de cooperadores”. É preciso, antes de mais nada, ter-se em conta que a expressão “ministério” não se refere ao exercício clerical no serviço de Deus, deferido a apenas alguns, chamados “ministros” e distinguidos dos demais crentes, estes chamados “leigos”.
A Palavra de Deus não autoriza essa conceituação discriminatória. Todos os cristãos verdadeiros têm responsabilidade perante Deus como “servos” (ministros) e, para isso, são capacitados pelo Espírito Santo através da concessão dos dons espirituais. O ministério do Evangelho é uma obra na qual todos os crentes devem estar envolvidos, quer seja pregando, ensinando, orando, contribuindo, ou testemunhando.
É um trabalho que requer perseverança, fidelidade e diligência. Mas devemos notar que não devemos servir em “competição”, mas trabalhando juntamente, em verdadeira união, e com um alvo comum: a glória de Deus (Filipenses 1:14-18). Mas o significado no v. 1 da expressão “na qualidade de cooperadores” é o de que “somos cooperadores de Cristo”. Ele é o Sumo Pastor; nós somos Seus subordinados. Ele é o Senhor, nós somos os servos (1 Coríntios 3:5-9). A salvação é obra exclusivamente Sua; contudo, há uma parte ministerial que se assenta no testemunho (Atos 1:8), na pregação (Marcos 16:15-16) e no ensino (Efésios 4:11-14) e, neste sentido, somos “Seus cooperadores”.
2. Exortação (vs. 1b, 3)
Paulo exorta a “que não recebais em vão a graça de Deus”. O que está a dizer é que negar-se a ser cooperador é como que tornar ineficaz a graça de Deus (“em vão”) que recebemos. É impedir que o seu efeito se manifeste na vida de cada um, operando de maneira ampla no benefício de muitos que ainda estão longe do seu usufruto. É possível o crente receber a graça de Deus e experimentar a salvação (v. 2) e depois, por causa de descuido espiritual, vivendo em pecado deliberado, abandonar a fé e a vida do Evangelho.
Exorta, mais, para que não sejamos “motivo de escândalo”. Não dar escândalo é evitar ações, palavras, hábitos e conduta que possam ser tropeços para outros e impedir o sucesso do Evangelho pregado. Há os que estão sempre esperando oportunidades para censurar e desacreditar o ministério da Palavra. Por isso tenhamos cuidado em não lhes dar motivo nem ocasião para tal. Paulo reconhece que o mau procedimento, dos que se converteram por seu intermédio, servia para descrédito do seu ministério.
3. Motivação (v. 2)
Citando Isaías 49:8, Paulo apresenta a forte motivação da nossa atuação como cooperadores de Cristo. Na profecia citada temos as palavras do Pai para Seu Filho (“Eu te ouvi”). Ouviu-O quando Se assumiu como o nosso Fiador eterno, o Cordeiro de Deus, morto pelos nossos pecados; ouviu-O na Sua oração sacerdotal narrada em João 17; ouviu-O no Jardim do Getsemani, na cruz e, agora, à Sua mão direita intercedendo por nós. A expressão “no tempo de oportunidade” refere-se ao tempo de paz e de boa vontade do Pai para com os homens, pois agradou a Deus enviar a Cristo ao mundo na plenitude dos tempos (Gálatas 4:4,5; 1 Timóteo 1:15). A expressão “dia da salvação” refere-se à época em que a salvação se faz presente, pelo fato de ter sido trazida por Cristo.
À remissão profética Paulo aduz o seu comentário oportuno: “eis agora o tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da salvação”. Coloca aí Paulo duas vezes a expressão: “eis” evidenciando a grande “motivação” a nossa atitude como cooperadores de Cristo. A obra já está completa, a justiça eterna já é manifesta e Deus está reconciliado com o homem em Cristo. Deus propôs, prometeu e figurou este dia no Velho Testamento. Agora tudo já está cumprido em Cristo (Hebreus 3:6-12).
4. A experiência ministerial de Paulo (vs. 4-10)
Nesses versículos Paulo descreve a natureza e o caráter do seu próprio ministério, oferecendo-nos lições preciosas sobre vários aspectos de nossa conduta no ministério. Não basta que o servo evite palavras e ações que possam ser um tropeço ou uma ofensa para outros. Deve, também, ativamente por todos os meios, provar e mostar que é um verdadeiro e fiel servo. Ao afirmar “recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus” (ver 3:1,2 e 5:12), Paulo responde àqueles que punham em dúvida as suas credenciais apostólicas. Era uma forma de demonstrar que não tinha recebido a Graça de Deus em vão e, assim, se tornava exemplo para a igreja em Corinto. Paulo enumera alguns aspectos do seu comportamento no ministério que nos servem bem como lições preciosas a nossa própria conduta cristã de serviço para Deus, a saber:
1. Nas vicissitudes da vida (v. 4b) – Através da “paciência”, sob provações enviadas por Deus, sem murmurações, com gentileza e amabilidade, no tratamento das enfermidades e fraquezas dos homens, esperando que o Senhor cumpra o Seu propósito. Veja que Paulo usa a expressão “muita” paciência. Devemos exercitá-la na sua maior dimensão. Nas “aflições” como digno exemplo do rebanho. Nas “privações”, ou seja, nas carências de ordem material e pessoal. Nas “angústias”, tanto no corpo como na mente, nas definições dos caminhos a seguir e das decisões a tomar (Salmo 37:5).
2. - Nas perseguições impostas pelos outros (v. 5a) – Refere-se Paulo aos “açoites” (veja 11:23, 24) e às “prisões”, situações nas quais devia mostrar coragem e fé pelo seu amor a Cristo; nos “tumultos” que caracterizavam as oposições provenientes do povo e que tantos dissabores físicos e morais lhe causavam.
3. Na sua aplicação ao trabalho (v. 5b) – Paulo se refere aos “trabalhos” (note o plural). É essencial que os servos de Deus mostrem que, na realidade, são Seus servos em trabalhos constantes. Deus não admite nem abençoa a indolência. Na “vigilância” necessária, tanto em relação a si mesmo como em relação ao povo de Deus (Atos 20:28-31; 1 Pedro 5:8-10); a vigilância abrangia, também, o cuidado na preservação da verdade contra os que falseavam a palavra e tentavam se insinuar para espalhar ventos de doutrinas não sadias. Nos “jejuns” que consistiam em privação de alimentos e tempo de profunda comunhão com Deus, para uma maior consagração no ministério.
4. Nas qualificações do seu caráter (v. 6) – Trata agora Paulo do comportamento ou atitude espiritual interior invisível: (4a) “na pureza” - Transparência de atitude, sinceridade de coração, sem motivos ocultos; (4b) “no saber” - Conhecimento claro e correto das Escrituras, para viver conforme o padrão de Deus e ter capacidade para ensinar os mistérios da graça e bem conduzir os outros. Essa sabedoria é alcançada pela aplicação no estudo da Palavra e no exercício constante da oração (2 Timóteo 2:15; Atos 6:4); (4c) “na longanimidade” - Não se irando facilmente, agindo, sempre, com gentileza, compreensão e tolerância; (4d) “na bondade” - Praticando sempre o bem e nunca o mal, não importando a quem; (4e) “no Espírito Santo” - Vivendo sempre na plenitude do Espírito (Efésios 5:18); (4f) “no amor” - Exercitando-se na sublime virtude do amor genuíno e não fingido, tanto para com Deus como para com o semelhante (1 Coríntios 13).
5. No exercício das capacidades espirituais no ministério (v. 7) – Os verdadeiros servos de Deus se distinguem pela correta exposição da “palavra da verdade”, pelo “poder de Deus” acompanhando essa exposição (1 Tessalonicenses 1:5,6) e pelo desempenho correto no uso da armadura de Deus, consoante Efésios 6:3-17, seja ofensiva, como defensivamente (“pelas armas da justiça, quer ofensivas quer defensivas”).
6. Nas avaliações ou apreciações contraditórias e equivocadas dos outros (vs. 8-10) – Os servos de Deus devem esperar encontrar muitas e diferentes alterações nas circunstâncias e condições deste mundo, pois não serão tratados nem recebidos e nem considerados de igual modo por todas as pessoas. Serão amados por uns e odiados por outros. Por isso o seu comportamento decente, quaisquer que sejam as condições em que se encontrem, é prova evidente da sua fé e integridade (Filipenses 4:11-13). O apóstolo deparou com “honra e desonra”, com “infâmia e boa fama”. Apesar de ser um “verdadeiro ministro”, era, no entanto, reputado por alguns como um “enganador”. Era “desconhecido” e ignorado pela maioria dos homens, mas “bem conhecido” dos crentes. Era como um que “estivesse morrendo” (moribundo), contudo “vivo” em Cristo para todo o sempre. “Castigado”, mas ainda “não morto”. Embora “entristecido” (Romanos 9:1,2), talvez pelo seu próprio pecado e pela incredulidade dos outros, contudo “sempre alegre” no Senhor (Filipenses 4:4). “Pobre”, como são, geralmente, os que se consagram totalmente à obra do Senhor, mas sentindo-se instrumento da graça para “enriquecer a muitos” espiritualmente. Deixando tudo para seguir a Cristo e, por isso, “nada tendo”, mas em Cristo “possuindo tudo”, todas as coisas que dizem respeito à vida verdadeira.
Conclusão: O que torna o exercício ministerial eficaz e aprovado por Deus é a maneira correta como o exercemos. Apliquemos, com humildade, mas com firmeza, fidelidade e eficiência, os preciosos ensinos que o apóstolo Paulo nos oferece, tanto através dos princípios de conduta expostos como pelo seu digno exemplo de ministro.