Transcrito de “O Caminho”, mediante autorização do editor William J. Watterson, da Editora Sã Doutrina (www.lojasadoutrina.com.br), e do autor – Samuel R. Davidson – que aborda este assunto solene de forma cuidadosa e equilibrada, apresentando passagens das Escrituras que nos ajudam a entender mais sobre esta questão.
1. A necessidade de estudar o assunto
O suicídio está aumentando muito, e tem se tornado comum em nossos dias. Por isto o dia 10 de setembro é usado para celebrar “o dia mundial de prevenção do suicídio”. Outro fato surpreendente é que o suicídio é três vezes mais comum entre homens do que entre mulheres, e a maior parte das pessoas envolvidas tem bastante dinheiro e bens.
No Brasil, em 2017, mais de onze mil pessoas cometeram suicídio, uma média de trinta e duas por dia, uma a cada quarenta e cinco minutos. Quase a metade era jovem, e a razão para isto é que neste grupo há mais problemas que podem conduzir ao suicídio (“bullying” na escola, desentendimentos com pais, namoros infelizes, drogas etc.). Também temos de lembrar das inúmeras tentativas frustradas de suicídio, que não entram nas estatísticas.
Embora ainda seja extremamente raro entre as igrejas, estes números alarmantes revelam a necessidade de considerarmos este assunto. O que especialmente chama a nossa atenção é que atualmente o suicídio está acontecendo com frequência entre pessoas “crentes”, e até “pastores” e “pastoras” de “igrejas evangélicas”. Qual o destino eterno dum “crente” que se matou? Será que está no Céu?
2. Dificuldades com o assunto
a) Versículos fora de contexto
A maior dificuldade ao estudar este assunto é que não temos um ensino claro na Bíblia sobre o futuro destas pessoas. Basicamente há quatro posições entre a cristandade:
- Todo aquele que comete suicídio, sob qualquer circunstância, vai para o inferno (posição Católica);
- Um cristão nunca chega a cometer suicídio, porque Deus impediria;
- Um cristão pode cometer suicídio, mas perderá sua salvação ao fazê-lo;
- Um cristão pode cometer suicídio, sem perder sua salvação.
Passagens Bíblicas são citadas para apoiar estas opiniões; contudo, geralmente são tiradas do seu contexto. Por exemplo, a afirmação em 1 João 3:15... “Vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna” é muito citada, porque o suicídio tira uma vida, portanto torna o suicida um “assassino”. Mas esta passagem, desde o versículo 10, mostra que a palavra “assassino” no versículo 15 é usada no sentido de “quem não ama a seu irmão”, e não se aplica a quem tira a sua própria vida.
Outros citam o “pecado imperdoável” mencionado em Marcos 3:25-32 e outras passagens, dizendo que este pecado é o suicídio. Contudo, no contexto, o pecado é blasfemar contra o Espírito Santo (v. 29), que se refere à rejeição contínua da ação do Espírito Santo na conversão do homem. Obviamente está se referindo a uma pessoa incrédula.
Outro versículo usado para condenar o “crente” que cometeu suicídio é Mateus 24:13... “Os que perseverarem até o fim serão salvos”. Contudo, o contexto mostra claramente que este versículo trata da salvação de Judeus salvos na Tribulação, depois do arrebatamento da Igreja (veja vs. 9-22). É salvação da morte física ameaçada pelo Anticristo, que procurará eliminar todos os que, por causa da sua fé em Cristo e na Palavra de Deus, recusam receber a sua marca e o adorar.
A passagem em Hebreus 6:4-6 também é muito citada para provar que o salvo pode perder a sua salvação. Mas ela fala de pessoas que chegaram perto da salvação e recuaram sem crer em Cristo. São comparados no v. 8 aos “espinhos” que não dão fruto e, portanto, são “queimados”.
b) Falsos “cristãos”
Temos de lembrar também da grande dificuldade criada por falsos crentes entre os salvos. Qual o significado da palavra “cristão”? Este título foi usado pela primeira vez em Antioquia (Atos 11:26), e foi dado pelos descrentes aos novos convertidos porque eles seguiam os ensinos de Cristo, obedecendo totalmente à Sua Palavra e falando d’Ele constantemente como o único caminho de salvação. Sabemos que hoje há muitos chamados “cristãos” que não são salvos, porque não experimentaram o arrependimento para com Deus e a fé no Senhor Jesus Cristo. São chamados de “crentes” ou “evangélicos” porque frequentam suas “igrejas”, mas nunca nasceram de novo.
O Senhor falou várias vezes sobre estes “cristãos nominais”, porque muitos dos Seus “discípulos” eram falsos. Seguiam-nO somente por causa das bênçãos materiais — os pães, as curas etc. Ele os ensinou sobre “a casa sem alicerce” que caiu na enchente (Mateus 7:24-27), sobre o joio entre o trigo que foi queimado (Mateus 13:24-30; 36-43); sobre a planta sem raiz que secou sem produzir fruto (Mateus 13:5- 6; 20-21) e sobre as vasilhas sem azeite que apagaram, causando a perdição das cinco virgens néscias (Mateus 25:1-13). Este povo falso existia desde o começo do Evangelho.
Também em Atos encontramos várias pessoas assim, como o mágico Simão em Atos 8, que fingiu ser cristão por motivos errados, e foi até batizado nas águas confessando ser cristão, mas nunca tinha se arrependido nem crido em Cristo.
Não há dúvida que a cristandade hoje está cheia de tais pessoas, mesmo entre os chamados pastores, pastoras, apóstolos, bispos etc. Quando ouvimos hoje que um “pastor” se matou, não podemos ter certeza se era uma pessoa salva. Não podemos julgar quem é “joio” — temos de deixar este julgamento a Deus, pois é só Ele que conhece o coração de cada um. Mas, antes de aceitar uma profissão de fé em Cristo, devemos procurar as coisas que pertencem à salvação, e os frutos de boas obras que acompanham a salvação (Mateus 7:20; Hebreus 6:9-11; 1 João 3:6-10).
Baseado nestas considerações, concluímos que quem comete suicídio deixa uma dúvida sobre a sua salvação. Paulo escreveu aos Coríntios: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos” (2 Coríntios 13:5). Todos nós precisamos fazer isto periodicamente.
3. Verdades bíblicas relacionadas
a) Sobre a salvação
Se cremos que uma determinada pessoa que cometeu suicídio era uma pessoa realmente salva, será que ela perdeu a sua salvação porque cometeu o suicídio? Muitos acham que sim.
Não há dúvida que o suicídio é contrário à vontade de Deus, portanto é pecado. A ordem de Deus é: “Não matarás” (Êxodo 20:13), e isto inclui o suicídio. Contudo, a mesma Palavra ordena: “Não mentirás”, “não adulterarás” etc. Se o suicídio tira a salvação, então temos de aceitar que qualquer outro pecado também tira a salvação, mesmo uma mentira. Sabemos que Davi adulterou e planejou a morte do marido da mulher com quem pecou. Ele perdeu a alegria da salvação por causa disto, mas foi perdoado por Deus quando se arrependeu (Salmos 32 e 51). Houve consequências, mas houve perdão.
Quem é que nunca pecou, mesmo depois da sua salvação? A nossa carne não foi regenerada pela salvação, mas recebemos uma nova natureza divina que traz o poder de resistir à tentação. Contudo, esta resistência depende também na condição espiritual da pessoa, como está sendo alimentada pela Palavra, pela oração, sua comunhão com Deus etc. As palavras: “Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lO mentiroso, e a Sua palavra não está em nós” (1 João 1:10) foram escritas pelo apóstolo João para pessoas salvas. Ele continua explicando que a “propiciação” feita por Cristo na cruz nos purifica do pecado quando o confessamos e deixamos. É verdade que o suicídio talvez impeça esta confissão e recuperação em vida, mas isto não cancela a verdade que “o sangue de Cristo nos purifica de todo o pecado” — e isto foi escrito para salvos sobre seu pecado depois da salvação. A salvação é “vida eterna” — não apenas “vida até cair em pecado”. Se perdêssemos a salvação por qualquer pecado, então não seria vida eterna, e ela dependeria das nossas obras, não da obra de Cristo na cruz.
O ensino de Cristo é que “ninguém” pode tirar a vida eterna dum salvo (João 5:24; 10:27-30). Também este é o ensino dos apóstolos (veja Romanos 8:1; Efésios 2:6 etc.).
b) Sobre o galardão
A questão do galardão é parte importante deste assunto (1 Coríntios 3:13-15). Infelizmente muitos não sabem distinguir entre a salvação e o galardão. A salvação é um presente dado pela graça de Deus baseado no sangue de Cristo. O galardão é a recompensa conquistada pelos salvos pelo seu esforço e fidelidade ao Senhor, desde quando creram até o fim do seu tempo neste mundo.
O Céu não será a mesma experiência para todos os salvos. Haverá vergonha na presença do Senhor por parte de alguns dos salvos na Sua vinda (1 João 2:28). A recompensa dos salvos será dada no Tribunal de Cristo, de acordo com o “bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2 Coríntios 5:9-10). Esta recompensa é chamada de “coroa da justiça”, “coroa da vida” e “coroa de glória” (comparada à coroa de flores que o atleta vencedor recebia depois dos jogos olímpicos – 1 Coríntios 9:24-27). Mas o salvo que cometeu obras más sofrerá dano; esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo (1 Coríntios 3:15). O “dano” não é a perda da salvação, mas do galardão.
O suicídio, sendo pecado grave, com certeza terá de ser tratado perante o Tribunal de Cristo onde será “queimado” (eliminado) e causará “danos” eternos na perda da recompensa completa, mas não tira a salvação.
c) Sobre a depressão
Embora o suicídio possa ser o resultado precipitado duma situação muito desagradável, geralmente é planejado e cometido depois dum tempo de depressão profunda, porque a pessoa não tem mais prazer em viver e não tem esperança de melhora. Precisamos entender que a depressão é uma doença do cérebro, que afeta a capacidade da pessoa de raciocinar. Traz tanto sofrimento físico, fraqueza e angústia mental que às vezes a pessoa, seja salva ou não, chega ao extremo de imaginar que seria melhor morrer do que continuar vivendo assim.
Um salvo pode entrar em depressão como qualquer outro, mas a maioria destes resiste esta tentação satânica de se matar — mas alguns podem chegar a contemplar tirar a própria vida. O reconhecimento da doença e tratamento da mesma é essencial antes de chegar a este ponto, mas se não receber ajuda o perigo do suicídio se torna maior, porque Satanás quer acabar com a vida da pessoa, seja salva ou não. “O ladrão não vem senão a roubar, a matar e a destruir” (João 10:10).
A família deve prestar atenção a alguns sintomas na vida desta pessoa, seja salva ou não. Geralmente há mudanças de comportamento, silêncio, desejo de estar só etc. Conversas estranhas e repetidas sobre a morte também são preocupantes: “vou viajar”, “você vai receber uma notícia sobre mim” etc. Não é verdade que os que falam em se matar nunca se matam. Especialmente no caso de adolescentes e jovens, a prática de pesquisar sobre o suicídio na internet revela esta atração. Os pais devem estar de olho no que seus filhos assistem, pois há muita iniquidade na Internet e muitos têm caído nesta armadilha de Satanás. Os estudiosos calculam que 90% dos suicídios poderiam ter sido evitados.
4. Diferenças importantes
Há outros assuntos ligados que devemos considerar.
a) A diferença entre pedir a morte e se suicidar
O desejo de morrer foi expresso por vários bons servos de Deus na Bíblia: Moisés (Números 11:11-15), Elias (1 Reis 19:4), e possivelmente Jó (3:3,11; 7:14-16) e Jeremias (20:14-17). Em situações muito difíceis, sentiram-se deprimidos até o ponto de desejar morrer. Mas embora sofrendo muito, e em depressão, não tiraram as suas vidas. O Seu temor ao Senhor e a sua fé n’Ele os livrou desta tentação satânica.
b) Os que confessam que preferiam morrer a viver
Paulo afirmou que preferia morrer a viver, porque estar no Céu é “incomparavelmente melhor” (Filipenses 1:21-24). É bom lembrar que anos antes ele tinha sido arrebatado para o Paraíso, onde ouviu coisas que não podia descrever (2 Coríntios 12:3-4). Comparando o Céu com a Terra ele preferia estar no Céu, mas não pediu a morte; queria viver até o Senhor o levar, pela morte ou pelo Arrebatamento. Esta confissão mostra o grande desejo dele de estar com Cristo, e é bem diferente de contemplar ou praticar o suicídio.
c) Os que se matam para matar outros
Hoje é comum no terrorismo ouvir de homens-bomba que se matam para matar seus inimigos. Os que se matam desta forma hoje são ensinados a fazer isto em honra do seu “deus” e religião, e creem que receberão uma grande recompensa eterna depois. Nisto são enganados por Satanás e, porque nunca creram em Cristo, morrem sem a salvação.
d) Pessoas sofrendo com doenças terminais
Em alguns países “o suicídio assistido” agora é legalizado. Uma pessoa em boas condições mentais pode receber uma droga fatal com assistência médica. Mas o salvo com saúde mental normal crê que a sua vida foi dada por Deus, que o tamanho da sua vida é medida por Ele, e que deve se submeter à Sua vontade, mesmo sofrendo fisicamente. Alguns ficam anos acamados e imaginam que são inúteis, somente criando trabalho para outros, mas a sua fé, alegria e bom testemunho têm servido para estimular a fé e o serviço de outras pessoas.
Conclusão
O assunto é muito complexo, mas chegamos à conclusão que cremos ser bíblica — que é possível que um verdadeiro salvo (especialmente se tiver depressão) cometa suicídio sem perder a sua salvação. Contudo, este ato pecaminoso sempre deixa uma dúvida sobre a sua salvação, e é só Deus que sabe se a pessoa realmente foi salva ou não, ou se houve arrependimento antes do momento da morte. Só Deus pode julgar a condição espiritual e mental da pessoa no momento em que se matou. Uma pessoa com profunda depressão, seja salva ou não, geralmente não tem a capacidade mental de ver outra solução para seu terrível sofrimento. Não há dúvida que o tentador está sempre envolvido neste assunto, como esteve no sofrimento de Jó. Contudo, a sua ação cruel é controlada e limitada por Deus (veja 1 Coríntios 10:13).
Provavelmente, se a pessoa que se matou tivesse recebido mais ajuda, não teria chegado a este extremo. Muitos suicídios têm sido evitados por causa deste cuidado. Precisamos pensar mais neste lado de prevenção do que no julgamento e afirmação sobre o destino eterno dos culpados deste pecado.
A posição defendida aqui não apoia o suicídio — é apresentada para evitá-lo. Se um leitor estiver contemplando tal coisa terrível, saiba que este pensamento vem de Satanás, não de Deus. O suicídio é um pecado gravíssimo contra Deus, contra a família, e contra a igreja, que sempre gera uma dúvida se a pessoa era realmente salva. Sempre traz profundo sofrimento para os familiares do suicida, e sempre será lamentado por quem o praticou. Tudo aqui é passageiro, inclusive o profundo sofrimento, mas a eternidade é sem fim. Não vale a pena fazer algo para escapar dos problemas passageiros desta vida e depois, mesmo sendo salvo do inferno, lembrar com vergonha deste grande erro cometido (1 João 2:28).
Muitos que contemplavam tal escape tiveram tempo para considerar o valor da sua vida e entender que o suicídio seria um erro e uma obra satânica, e não concluíram seu plano maligno. Muitos destes tornaram-se grandes bênçãos na mão de Deus, ajudando outras pessoas tentadas pelo adversário neste sentido.
Citações de outros escritores
Se afirmamos que o cristão é capaz de cometer qualquer pecado, por que não conceber que potencialmente ele poderá cometer o pecado do suicídio? Se afirmamos que o sangue de Cristo é capaz de perdoar todo pecado, ele não cobre esse pecado também? Se o sacrifício na cruz nos tornou perfeitos para sempre, como diz o autor de Hebreus (7:28; 10:14), não seria isso suficiente para afirmarmos que nenhum pecado rouba a nossa salvação? Se não somos Deus e não temos nenhuma maneira de medir a conversão interior do ser humano, poderíamos afirmar categoricamente que alguém que deu testemunho de cristão durante sua vida, ao cometer suicídio, realmente não era um cristão?
Baseados na história bíblica e na experiência do povo de Deus, podemos concluir que o suicídio entre os salvos provavelmente é uma ocorrência extraordinariamente rara devido à ação do Espírito Santo e aos efeitos da graça que reina no Corpo de Cristo.
Todos concordam que o suicídio é um pecado grave, porque atenta contra a vida humana. Mas se já estabelecemos que um crente é capaz de eliminar a vida humana de outro, como o fez Davi, sem perder a sua salvação, como aceitar que quem faz o mesmo contra si mesmo perde a sua salvação?
“Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 8:38-39).
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NR: Dada a gravidade deste assunto e o pouco conhecimento que as pessoas têm acerca dessa lamentável ocorrência, nos próximos boletins estaremos dando continuidade ao tema através da abordagem bíblica sobre a “depressão”, editado pela mesma Editora e escrito pelo mesmo autor deste artigo. Não deixem de acompanhar, pois será de grande edificação!