Romanos não foi a primeira carta escrita por Paulo, mas vem estrategicamente depois do livro de Atos. A revelação e os ensinos contidos em Romanos formam portanto uma base sólida para a vida prática da igreja cristã. Paulo diz que foi separado para o "evangelho de Deus". Este parece ser o tema da carta. O Evangelho de Deus não inclui somente a graça, mas também condenação, revelada de forma clara na primeira parte de Romanos. Em Romanos Paulo faz uma série de exposições, que não vamos detalhar aqui, pois nosso comentário se prende mais à última parte da carta.
Podemos dividir a carta em três seções principais: os cap. 1-8 chamamos de "verdades inquestionáveis", onde o homem natural é exposto e tratado; nos cap. 9-11 temos "o tratamento governamental de Deus sobre os judeus", onde os judeus de um modo geral são tratados e a salvação do remanescente é destacada; nos cap. 12-16 temos um maravilhoso quadro relacionado ao "viver adequado do homem redimido".
Um comparativo, não absoluto mas relativo, entre a primeira e a terceira parte de Romanos pode ser assim traçado:
Romanos 1 a 8:
Faz uma exposição das verdades relacionadas ao homem natural.
Expõe a conduta do homem natural.
Enfatiza o pecado, a condenação e a justificação.
É o caminho até à cruz.
Romanos 12 a 16:
É uma exposição ordenada de como deve viver o homem espiritual.
Expõe a conduta do homem espiritual.
Enfatiza a nova vida, o serviço santo e o relacionamento.
É o caminho da cruz até à glória.
Os dois primeiros versos do capítulo 12 são fundamentais. Eles funcionam como um teste para nós. Se não passarmos nele, será inútil prosseguir.
Suponha que uma igreja em certa localidade acaba de ser inaugurada. Que fazer? Como deve ser a expressão prática dessa igreja? Qual deve ser o procedimento de seus membros, individualmente? Destacamos aqui onze tópicos que podem nos ajudar.
- A NOVA VIDA – Rm.12:1-2 - A exigência básica é "apresenteis". Isto requer uma ação da nossa parte. "Apresentar-se" é a base para todo o crescimento do Evangelho. Se o jovem não se apresentar para alistar-se nas forças armadas, como haverá pessoas treinadas para a batalha? Se não nos "apresentarmos", não haverá quem pregue. E como crerão? (Rm.10:14-15). Veja bem que "corpo por sacrifício vivo" difere do sacrifício do corpo, que muitos praticam hoje. Sacrifício do corpo (por exemplo, jejum preestabelecido, subir escadas de joelhos, etc.) é uma prática "morta", sem fundamento bíblico. "Corpo por sacrifício vivo" é negar a vida da alma em nossa conduta e servir em novidade de vida. A palavra "racional" é importantíssima e poucos dão atenção a ela. "Racional" é contrário ao histerismo, ao sensacionalismo e às práticas não bíblicas que estão sendo pregadas. Embora as práticas não aprovadas pela Bíblia, como por exemplo a proliferação do comércio espiritual, pareça ser algo racional, na realidade tem por base a esperteza humana. Não conformar com o mundo significa não ter a aparência do mundo, ou seja, não ser igual ao mundo. "Transformar-se pela renovação da mente" requer uma mudança completa de vida com base na mente, no racional, na alma. Só assim teremos a experiência do propósito de Deus para com cada um nós.
- O SERVIÇO (LOCAL) – Rm.12:3-11 - O elenco de encargos espirituais apresentado nos prende ao serviço local. O exercício dos dons é o "combustível" para o funcionamento de uma igreja local. Para cada dom uma recomendação para o desempenho. Nada deve ser feito por esforço natural. O exercício dos dons deve ser um prazer, não uma prática penosa. Deve ser praticado segundo a medida da fé.
- O RELACIONAMENTO ENTRE OS CRENTES E OS "INIMIGOS" - Rm.12:9-21 - Temos aqui um código de vida. Primeiro o apóstolo exalta o relacionamento entre os crentes. A suma é: "Amai-vos uns aos outros". O cumprimento deste pequeno texto daria fim a uma série de divisões existentes hoje no cristianismo e, porque não dizer, nas igrejas locais. Quanto ao nosso relacionamento com aqueles que não nos querem bem, a suma é: "vence o mal com o bem". Se nós vingarmos a nós mesmos, será carne contra carne e o Senhor não atuará. Todavia, se deixarmos o Senhor atuar, Ele vingará nossa causa de acordo com Sua justiça.
- O RELACIONAMENTO COM AS AUTORIDADES - Rm.13:1-10 - Quando Paulo diz que "toda autoridade procede de Deus", podemos não concordar com ele. Mas o fato das autoridades não serem como nós queremos ou mesmo infiéis no seu serviço não quer dizer que ela não proceda de Deus. O salmista diz: "Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor". Mas o homem rejeita esta felicidade. Tem se verificado nos últimos dias pomposas reuniões de inúmeros segmentos sociais com o fim de encontrar soluções para os problemas que afligem a humanidade. Todavia Deus não tem sido incluído em nenhuma das soluções apresentadas. "A ninguém deveis cousa alguma, exceto o amor". A dívida não convém ao crente. Isto não quer dizer que o crente não possa comprar nada a prazo. O que ele não deve é comprar a prazo sem um planejamento para pagar as prestações à época do vencimento. Com relação ao amor, não há como negar: estamos sempre em débito. A suma é: "o cumprimento da lei é o amor".
- UM ALERTA QUANTO A SOBRIEDADE – Rm.13:11-14 - Contar tempo sempre foi um "hobby" do homem. Ficamos ansiosos para chegar o fim de semana, o fim do mês, o dia do nosso aniversário, etc. Às vezes esquecemos de considerar os sinais do tempo, que anunciam o retorno de Cristo. Se contemplarmos as fascinações deste mundo, pegaremos no sono espiritual. Em meio a euforia de um crescimento numérico, de um bom relacionamento, ou mesmo por uma queda espiritual, o cristão pode dormir espiritualmente e perder de vista a vida futura, ficando despreparado (1Ts.5:23) para aquele dia. Paulo alerta-nos a estarmos sempre vigilantes, aguardando sobriamente aquele dia. "Salvação", no verso 13, não deve ser interpretada como a salvação judicial e sim como a nossa redenção. Revestir-se de Cristo está relacionado à consagração de nossas vidas ao Senhor (Gl.2:20).
- A TOLERÂNCIA PARA COM OS IRMÃOS IMATUROS – Rm.14:1; 15:7 - Contrariando o dito popular "tolerância zero", o apóstolo ensina a tolerância total aos membros imaturos. Tolerância aqui não é falta de zelo. É fazer-se de fraco para ganhar o fraco. Discutir opiniões nunca estará em harmonia com a unidade do corpo. A comparação entre alimentos fortes e legumes, dias e dias está relacionada ao crente "forte" e "fraco".
- A RECEPTIVIDADE – Rm.14:1; 15: 7 - Neste texto temos em destaque a tolerância e a receptividade. Receptividade é rejeição categórica à exclusividade. Em 14: 3 temos Deus acolhendo (recebendo); em 15:7 temos Cristo acolhendo (recebendo). Não podemos ser mais exigentes do que Deus. Com relação à receptividade, estamos falhando de forma gritante. Isto ocorre porque todos somos senhores do saber e colocamos o saber acima do amor. Paulo diz que o saber ensoberbece, mas o amor edifica (1Co.8:1). Gostamos de dar ênfase à doutrina (não à Sã Doutrina). Isto está implícito no discutir opiniões, em 14:1. Não há meio termo: se discutimos opiniões é porque não amamos. Além disso discutir opiniões pode ser o indício de que somos os fracos.
- O SOCORRO AOS SANTOS POBRES DENTRE OS JUDEUS – Rm.15:25-33 - Eis aqui um belo resultado da transformação pelo renovar da mente (12:2; veja também Lc.19:8). Como deve ter sido gratificante pertencer às igrejas da Macedônia e Acaia! Essa ajuda não advém de uma consciência pesada e sim de um reconhecimento espontâneo, por parte dos crentes gentios, de que "a salvação vem dos judeus". O verso 27 combinado com 1Co.9:11 é um sentimento que deve ser levado à pratica pela igreja, se necessário for. Ser participante dos valores espirituais vindos dos judeus é muito mais elevado que possuir valores materiais vindo dos nossos esforços. É notável a atuação de Paulo. Aqui ele atua como um verdadeiro diácono. Como foi versátil esse grande servo de Deus!
- O SERVIÇO (UNIVERSAL) – Rm.16:1-16 - O capítulo 16 de Romanos deve ser lido com meditação, não buscando o conhecimento, mas a vida. É deveras notável este texto. Leia-o quantas vezes for necessário para assimilar sua mensagem. Quantas vidas que inspiram! Quantos exemplos! Este capítulo desvenda além da integração entre as igrejas locais daquela época, o trabalho missionário de retaguarda. Chamo a atenção para o fato de que o serviço das irmãs é amplamente divulgado aqui. Nos evangelhos temos as irmãs servindo ao Senhor com seus bens, sendo hospitaleiras, indo ao sepulcro, levando a mensagem da ressurreição, estando junto a cruz, etc. Aqui temos Paulo saudando, pelo trabalho, além de cerca de 15 irmãos, cerca de 12 irmãs e que cumpriram seu papel de forma correta. As irmãs não precisam ensinar, "falar" nas reuniões da igreja, ou exercer autoridade. Aqui não vemos nada disso. Vemos irmãs que trabalharam no Senhor. Como a igreja hoje carece de Febes, Priscilas, Marias, Trifenas, Trifosas, etc.! A missão de retaguarda é um papel preponderante das irmãs. Missionário não é somente aquele que o Senhor chamou para o ministério no campo. TODOS devem se envolver em missão.
- ALERTA CONTRA O JOIO (FALSOS MESTRES) – Rm.16:17-19 - Temos aqui o resultado de opiniões e ensinos diferentes. Devemos ter um espírito hábil para discernir o "fraco" do falso. Nosso julgamento não pode ser precipitado (ver caps. 14 e 15). Todavia não podemos deixar de agir quando percebermos a presença daqueles que são qualificados aqui nos versos 17 e 18. A atuação deles é sempre sobre os incautos.
Que as nossas vidas sejam colocadas aos pés do Senhor para que tenhamos um viver adequado, que sejamos cristãos equilibrados e que sirvamos na simplicidade do Evangelho.