1 Coríntios 11:2-16
No número anterior vimos duas razões expostas por Paulo para que a mulher cubra a cabeça nos cultos da igreja. Nesse número veremos mais duas razões para que isso seja observado.
III. HÁ UMA QUESTÃO “ESPIRITUAL” (v. 10)
Uma tradução literal do versículo 10 ficaria assim: “Por causa disto deve a mulher ter autoridade (do grego exousia) sobre a cabeça, por causa dos anjos”. A frase "por causa disto" (portanto) nos remete ao que já foi argumentado pelo apóstolo de Cristo nos versículos anteriores. Nesse terceiro motivo para que as irmãs cubram a cabeça nos cultos, surge um novo fator que é a referência direta aos anjos.
Em uma tradução pessoal do texto grego do versículo 10 cheguei ao seguinte resultado: “Por esta razão e por causa dos anjos, a mulher deve ter sobre a cabeça um sinal de autoridade”.
Fica, então, evidente que a terceira causa pela qual a mulher deve cobrir a cabeça são os anjos. Os oponentes ao uso do véu quase sempre levam o assunto para o campo da localidade, ou seja, isso valia somente para a igreja de Corinto. Também levam para o campo da cultura e costumes da antiguidade e outros posicionamentos menos conhecidos. Mas, a inserção dos anjos como um dos motivos para a cabeça coberta cria um sério problema para os oponentes ao uso do véu. É por isso que, normalmente eles agem como se o versículo 10 não fizesse parte do texto ou o minimizam.
Contudo, fica claro aqui que a questão não é de escolha, de época, de gosto ou de cultura, pois os anjos são supraculturais e atemporais. Sabendo disso o Espírito Santo deixou esse registro na Palavra de Deus para assim nos “amarrar” e toda argumentação sincera a respeito desse assunto não deve ignorar este aspecto.
O pressuposto que isto era um costume isolado da igreja em Corinto e a insistência de que isso era um hábito ligado à cultura daquele povo caem por terra, pois, como já vimos, os anjos não se encaixam em nenhum destes aspectos.
Surge uma pergunta óbvia: que anjos são estes? O que a Bíblia quer dizer com isto?
Mesmo reconhecendo que este é um versículo para o qual Paulo não desenvolve uma explicação, tentemos analisar a questão à luz de outras passagens da Bíblia (a Bíblia é interprete de si mesma). Vejamos então as opções que temos.
- Anjos Caídos – Para justificar esta menção a anjos como o motivo pelo qual as mulheres devem cobrir a cabeça, alguns já tentaram ligar este versículo a Gênesis 6:1ss., onde lemos que os filhos de Deus (que entendem ser anjos caídos) tomaram para si mulheres de entre as filhas dos homens. Juntam isso a Judas 6, onde lemos sobre alguns anjos que não guardaram o seu estado original (entendendo que isso significa que mantiveram relação sexual com mulheres), concluindo, então, que os anjos caídos sentem-se atraídos sexualmente pelas mulheres que estão no culto sem usar cobertura na cabeça. Segundo eles, o uso de cobertura seria uma proteção contra estes anjos caídos que supostamente desejam desencaminhar as mulheres cristãs.
Esta interpretação é forçosa e não tem o apoio claro da Palavra de Deus. Além disso, por que tais anjos só se sentiriam tentados pelas irmãs na hora dos cultos? Por que não se sentem atraídos pelas outras mulheres descrentes que também não usam cobertura no dia a dia. Portanto, em minha opinião, esta conclusão é totalmente descabida. Ainda mais porque não há a mínima indicação bíblica de que qualquer coisa nas reuniões da Igreja de Cristo deva ser feita para os demônios ou por causa deles. Nossas reuniões não têm nada a ver com eles.
- Anjos Bons – Creio firmemente que a Bíblia esteja afirmando a presença de anjos do Senhor conosco especialmente nos cultos da igreja. Entretanto, não fica claro qual seria o papel dos anjos no ajuntamento da igreja. Seriam eles meros expectadores? Estariam eles observando como a igreja preserva a ordem natural estabelecida por Deus na criação? Tentemos entender um pouco da função dos anjos.
Em Apocalipse 8:3-4, lemos: ”Veio outro anjo e ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi- lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono; e da mão do anjo subiu à presença de Deus a fumaça do incenso, com as orações dos santos”. Já em Hebreus 1:14 vemos que também é função dos anjos servir aos salvos. Nesses textos ficamos conhecemos duas das funções dos anjos.
Contudo, mais significante ainda é o que lemos em Efésios 3:10... “para que pela igreja a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos principados e potestades nos lugares celestiais”. Assim, ficamos sabendo que, de uma forma que não compreendemos ao todo, a igreja é usada para manifestar aos anjos a sabedoria de Deus. Nesse sentido a igreja está ensinando aos anjos.
Estou ciente que não devemos nos basear em letras de hinários para estabelecer doutrinas. Contudo, citarei uma estrofe do hino 501 de “Hinos e Cânticos” para mostrar que o irmão Richard Holden (que teve grande influência no início do movimento dos irmãos no Brasil), ao que a letra indica, também tinha este entendimento. Vejamos a letra do seu poema: "Aba! Aqui nós te adoramos / Muito alegres em saber / Que por nós, que em Cristo estamos / Vão teus anjos conhecer / Teu saber maravilhoso / Tua graça, Teu amor / E com mais intenso gozo / Te adorar com novo ardor".
Portanto, entendo que quando a igreja local se reúne seguindo os princípios estabelecidos por Deus, os anjos veem que a ordem hierárquica estabelecida por Ele está sendo respeitada. Creio que isso é uma lição aos anjos do Senhor, mas talvez aos anjos caídos. Aos anjos caídos que quebraram esta hierarquia quando se rebelaram (suposição minha) e aos anjos bons que, ainda hoje, respeitam esta hierarquia. Neste sentido a igreja deve procurar ser uma “escola” para os anjos.
Talvez esta seja uma das áreas nas quais os anjos serão julgados pelos santos (cf. 1 Coríntios 6:3). Isto é por demais profundo para ser tratado com descaso pela igreja de Cristo. No mínimo, os líderes deveriam estudar profundamente este assunto antes de se posicionarem contrários ao uso do véu e, também, antes de ficarem indiferentes a essa doutrina bíblica, pecando assim por omissão.
IV. HÁ A PRÁTICA UNIVERSAL DA IGREJA (v. 16)
Esse é o quarto motivo dado pelo apóstolo em apoio ao uso do véu. Essa era a prática em todas as outras igrejas. O apóstolo Paulo encerra este assunto afirmando que se alguém quer ficar criando polêmica a respeito do uso do véu, este não era o seu costume e nem o das demais igrejas coirmãs em Cristo. Com isso, fica claramente estabelecido que o uso do véu era obedecido em todas as outras igrejas, sendo que a polêmica só existiu na complicada igreja em Corinto.
Vemos, então, que o uso de cobertura na cabeça das irmãs não começou com essa carta à igreja em Corinto. As outras igrejas já praticavam isso. Esse versículo nos mostra que esse era o padrão da igreja como um todo! Ademais, a ideia de que o apóstolo está adaptando um aspecto da cultura de Corinto aos cultos da igreja é muito improvável e o próprio texto bíblico derruba essa teoria. Paulo diz que entregou (v. 2) a eles essas instruções. Ou seja, ele não pegou essa prática do costume da cidade, antes ele a trouxe junto com a pregação do Evangelho. Assim, as instruções de Paulo não foram por causa de demandas de costumes culturais, mas pelos motivos que já vimos acima. Ademais na cultura greco-romana as mulheres não cobriam a cabeça nas ruas nem nos seus cultos às divindades pagãs.
Portanto, as instruções do apóstolo são fundamentadas em razões teológicas e não em práticas locais, pois, como já vimos, Paulo entregou a eles a prática cristã da cabeça coberta nas reuniões da igreja que já era obedecida pelas outras igrejas.
CONCLUSÃO (da primeira parte).
Depois de praticamente esgotar sua argumentação a favor do uso de cobertura por parte das mulheres, Paulo lança uma pergunta de crucial importância: "Julguem entre vocês mesmos: é apropriado a uma mulher orar a Deus com a cabeça descoberta?" (v. 13). Na verdade ele está perguntando: “depois de tudo que lhes foi apresentado, vocês ainda entendem que uma mulher deve orar na igreja com a cabeça descoberta?” Essa é uma pergunta retórica que já traz embutida em si a resposta. Não há dúvida de que a resposta que o apóstolo esperava ouvir era um sonoro não! A Bíblia é clara: “Toda mulher, porém, que ora, ou profetiza, com a cabeça sem véu (descoberta), desonra a sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada” (1 Coríntios 11:5 – parêntese meu).
Outra observação importante a fazer é quanto ao versículo 15. A Bíblia na Edição Revista e Corrigida diz que o cabelo foi dado à mulher em lugar de véu. Isto tem levado muitos a entender que a mulher que tem o cabelo comprido está dispensada de cobrir a cabeça. Mas na verdade o texto em grego diz que o cabelo lhe foi dado em lugar de manto, mantilha. A palavra usada aqui é “peribolaiou” em contraste com “katalupto” que é usada nos versículos anteriores e que é traduzida no português como "véu".
Aliás, em todo o texto grego do capítulo 11, a palavra "véu" não aparece uma vez sequer. “Katakalupto” foi traduzida por véu porque normalmente o pano que cobre a cabeça das mulheres é conhecido por nós como véu. Esta tradução que está na ARC traz confusão na mente de algumas pessoas. Por isso é bom conhecer a língua original na qual o Novo Testamento foi escrito, a língua grega. O substantivo “peribolaiou” descreve um envoltório, um manto usado ao redor do corpo. “Katakalupto” transmite a ideia de algo que vem de cima, enquanto “peribolaiou” significa de algo que está em volta. Nesse ponto a ARA traduz melhor o termo, pois o traduz como mantilha e não como véu.
Certa vez um irmão do nosso contexto, estudante do grego, me disse que “peribolaios” abrange também uma cobertura. Em resposta a essa afirmação o Dr. Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Reitor do Seminário Bíblico Palavra da Vida, me escreveu:
“De fato, “peribolaios” é uma palavra mais ampla, mas isso é uma razão a mais para não atribuir a ela, apressadamente, o sentido da palavra mais restrita (kálluma). Além disso, e para mim o centro da questão, há o significado da preposição grega “antí”. Este é geralmente presumido como "em lugar de", sentido correto, mas que torna a passagem sem lógica (como você observou). Acontece que “antí” pode também significar "correspondendo a", o que se encaixa com as palavras de Paulo. A natureza deu à mulher o cabelo mais comprido como que "pedindo o companhamento de" uma cobertura. Assim, há uma razão teológica, uma razão eclesiológica, e uma razão natural-lógica para o uso do véu nesta passagem”.
CURIOSIDADE: Se em 1 Coríntios 11 cabelo é o mesmo que véu deveríamos ler assim os seguintes versículos:
11:5... "Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu desonra a sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada". Caso estivesse falando de cabelo como cobertura esta frase ficaria assim: "Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem cabelo desonra a sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada". Se já está sem o cabelo já não estaria rapada?
11:6... "Portanto, se a mulher não usa véu, nesse caso, que rape o cabelo. Mas, se lhe é vergonhoso o tosquiar-se ou rapar-se, cumpre-lhe usar véu". Como ficaria: "Portanto, se a mulher não usa cabelo, nesse caso rape o cabelo. Mas, se lhe é vergonhoso o tosquiar-se ou rapar-se, cumpre-lhe usar o cabelo".
11:7... "Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem". Vamos ver como ficaria se em lugar de cobertura (véu) Paulo estivesse falando de cabelo: "Porque, na verdade, o homem não deve ter cabelo na cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem". Dar-se-ia o caso de somente os carecas estarem de acordo com as normas paulinas?
11:15... "E que, tratando-se da mulher, é para ela uma glória? Pois o cabelo lhe foi dado em lugar de mantilha" (11:15). Caso cabelo e véu fossem a mesma coisa a frase ficaria assim: "E que, tratando-se da mulher, é para ela uma glória? Pois cabelo lhe foi dado em lugar de cabelo". Ou: "E que, tratando-se da mulher, é para ela uma glória? Pois véu lhe foi dado em lugar de mantilha (véu)".
É por isso que volto a afirmar que cabelo é cabelo e véu (cobertura) é outra coisa totalmente diferente. O véu as irmãs podem colocar nas reuniões da igreja, para tirá-lo depois. Já o cabelo está com elas o tempo todo. Assim como também está com os homens o tempo todo. Exceto os carecas, condição a qual cada dia mais eu me encaminho.
Iniciamos este estudo com o questionamento sobre a validade ou não do uso de cobertura por parte das mulheres na igreja nos nossos dias. Espero que tenhamos chegado à conclusão que, desde que seja feito com entendimento, permanece para as irmãs a validade do uso de cobertura nos cultos da igreja de todos os tempos.
Contudo, devemos evitar os exageros de quererobrigar as irmãs a usarem o véu (uso a palavra véu por ser a que melhor expressa o uso de cobertura na nossa língua) deste ou daquele tamanho, deste ou daquele tecido, deste ou daquele formato, desta ou daquela cor e por aí vai...
A Bíblia não especifica nada destas coisas e quando o fazemos estamos pondo na boca do Senhor Deus aquilo que Ele nunca disse. Fazer isto traz prejuízo e é pecado. O próprio apóstolo Paulo (que foi diretamente inspirado por Deus ao escrever esta carta), após mostrar o que ele cria ser da vontade de Deus que as irmãs cobrissem a cabeça não estabelece cor, tamanho etc.
Paulo não era um ditador. Creio que o seu raciocínio era o de que só se deve prestar a Deus um culto de coração voluntário, um culto racional e não por imposição de homens. Ele usou toda a argumentação bíblica, mas deixou ao Espírito Santo o papel de convencer a igreja em Corinto destas verdades.
Quanto à idade ou quando uma irmã deve começar a usar o véu a Bíblia não especifica. Apesar de a nossa tradição rezar que só depois de batizada uma irmã está autorizada a usar o véu, entendo que a partir do momento no qual ela recebe a Cristo como seu Salvador pessoal ela pode e deve usar o véu. Quanto a isso a Palavra de Deus não faz nenhuma restrição.
Também creio não ter nenhum valor espiritual uma mulher usar o véu sem entendimento nenhum do seu significado ou usar somente por tradição. Não adianta, por exemplo, usar o símbolo da submissão, da hierarquia estabelecida por Deus, se em casa não se é submissa ao marido. Isto se parece mais com uma tradição supersticiosa do que com um culto racional, inteligente, com entendimento (cf. Romanos 12.1).
Por último é bom lembrar que, longe de desmerecer a mulher, o véu lhe confere um lugar de dignidade na assembleia onde se adora ao Deus Eterno. Lugar este que, ainda hoje, é negado à mulher judia e a mulher islâmica no seu culto. Este símbolo lhe assegura um elevado lugar na igreja, ainda que deixe claro que não é o lugar do homem.
Encerro essa parte do estudo, mostrando que a epístola foi dirigida sim à igreja em Corinto, mas que ela tem uma abrangência universal para a igreja de todos os tempos. A universalidade desta carta aos coríntios fica claro logo no seu segundo versículo quando Paulo escreve: “à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome do Senhor Jesus, Senhor deles e nosso” (1 Coríntios 1:2).
No próximo número faremos um resumido “passeio” pela história da Igreja e veremos o que proeminentes teólogos de várias épocas escreveram acerca do uso do véu. Estou certo que você se surpreenderá!