Depressão (2)

PARTE 2

Talvez o aspecto mais difícil desta doença seja que a nossa mente não consegue concentrar e assim a leitura e meditação das Escrituras e a oração se tornam muito difíceis e irrelevantes, mas é exatamente destas coisas que tanto precisamos neste tempo. É como uma doença física que tira o apetite para que não queiramos o alimento de que tanto precisamos para ajudar a combater a doença. Precisamos da ajuda de outros para quebrar este 'círculo vicioso' e começar a meditar na Palavra e, como doentes físicos, devemos começar com 'doses' pequenas.

O melhor livro onde achar este alimento e consolação espiritual é o livro dos Salmos, onde há vários Salmos escritos por pessoas que passaram por este caminho e foram usadas por Deus para deixar escrito exatamente o que sentiram, e, mais importante ainda, em muitos casos, como conseguiram voltar a ter prazer na vida e em Deus. O Senhor, na Sua infinita misericórdia, nos deixou esta linda fonte de ajuda e consolação. Vamos agora examinar alguns destes Salmos.

Exemplos nos Salmos

  • A EXPERIÊNCIA DE DAVI – Salmos 32 e 51 – Como já foi mencionado, Davi sofreu por causa do seu pecado que é narrado em 2 Samuel 12. Nos Salmos 32 e 51 ele descreve este sofrimento e como ele sarou quando se arrependeu de coração sincero. Não vamos entrar mais nos detalhes destes Salmos, mas ajudam muito em entender que para ter paz com Deus depende de arrependimento no caso onde há pecado não confessado e deixado na vida da pessoa.-

  • AS EXPERIÊNCIAS DE ASAFE – Salmos 73 e 77 – Asafe é menos conhecido, mas seu exemplo merece nossa cuidadosa atenção, pois ele claramente era sujeito a vários ataques de depressão. Queremos encorajar o leitor abrir a sua Bíblia e acompanhar a meditação destas passagens preciosas.

    Na primeira parte do Salmo 73, Asafe explica os vários fatores que o levaram a esta condição. Em primeiro lugar foi o pecado e o orgulho do povo incrédulo ao seu redor que o entristeceu muito – era uma forma de depressão espiritual. Mas porque parecia que a sorte material deles era melhor que a dele, apesar da sua fidelidade e santidade em servir a Deus, havia nele “inveja” dos incrédulos e uma desconfiança sobre a bondade de Deus. Uma leitura cuidadosa revelará que Asafe esteve doente, por um tempo considerável quando escreveu este Salmo, mas mostra esperança de melhorar. Na sua doença ele invejava a boa saúde e prosperidade dos incrédulos. É normal para a pessoa com depressão sentir inveja daqueles que aparentemente não têm nenhuma enfermidade e mostram grande alegria na sua vida.

    Na segunda parte do Salmo 73, Asafe revela como a sua cura começou quando ele "entrou no santuário de Deus" onde pôde “ver” o fim daqueles que invejava, e ver o seu próprio fim, no céu. Notamos o seu esforço ao tomar esta atitude positiva em buscar a presença de Deus ‘no santuário’ para procurar a Sua ajuda. Ele foi para o lugar certo e para a Pessoa certa. Agora Asafe podia entender que o “destino” é sempre mais importante do que o “caminho” e que, com certeza, haveria melhores tempos para ele no futuro, mas não para aqueles que ele tinha invejado. Assim, a sua atitude negativa mudou e a luz do céu começou a brilhar na sua mente e coração, produzindo louvor, paz e alegria.

    Esta restauração mental e espiritual geralmente não é instantânea, é um processo. Uma pequena luz aparece na distância, no fim do “túnel” e vai aumentando a cada dia. O sorriso volta ao nosso rosto, começamos a nos interessar outra vez na vida cotidiana e a notar a beleza das coisas que Deus fez. O nosso apetite pelo alimento natural e espiritual volta, e entendemos que Deus não Se tem esquecido de nós como pensávamos antes – foi apenas a nossa imaginação errada que nos enganava. De fato, toda nuvem escura tem um revestimento de prata. A promessa “nunca vos deixarei” não deixou de ser cumprida, somente perdemos o sentimento da Sua presença. Agora damos muito mais valor a esta verdade consoladora. A presença de Deus é tudo para nós e as coisas eternas infinitamente mais importantes que as coisas desta vida passageira. A bem conhecida poesia “As pegadas na areia” expressa muito bem esta volta a ver as coisas como realmente são – não estamos sozinhos, Deus estava nos carregando nas horas mais tristes da vida, quando nos sentíamos que estávamos sozinhos e desamparados por Ele.

    Na primeira parte do Salmo 77, o mesmo salmista, Asafe, expressa com clareza uma experiência dolorosa, durante um tempo de depressão: “No dia da minha angústia procuro o Senhor; erguem-se as minhas mãos durante a noite (falta de sono) e não se cansam; a minha alma recusa consolar-se (falta de alegria e consolação). Lembro-me de Deus e passo a gemer; (falta de reconhecimento da presença de Deus); medito, e me desfalece o espírito (falta de compreensão). Não me deixas pregar os olhos, tão perturbado estou, que nem posso falar (falta de orientação, concentração e comunicação). Penso nos dias de outrora, trago à lembrança os anos de passados tempos (sem esperança para o futuro). De noite indago o meu íntimo, e o meu espírito perscruta (falta de sono por causa da preocupação com alguma coisa pecaminosa na vida). Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício? Cessou perpetuamente a sua graça? Caducou a sua promessa para todas as gerações? Esqueceu-se Deus de ser benigno? (falta de fé nas promessas e na bondade de Deus por causa da duração desta calamidade). Ou, na sua ira, terá ele reprimido as suas misericórdias? (Deus está me castigando injustamente, pois não sei por que, e Ele não me informa). Então disse eu: isto é a minha aflição; mudou-se a destra do Altíssimo" (Deus me abandonou e não há esperança de melhoras).

    Talvez esta passagem seja o sentimento íntimo do coração de alguém que está lendo estas palavras. Pelo menos deve trazer algum encorajamento saber que outros têm andado por este caminho duro e escuro antes de nós! De fato, “não vos sobreveio tentação (provação) que não fosse humana…” (1 Coríntios 10:13). Neste ponto mais baixo, quando estava 'no fundo do poço', Asafe, com a ajuda de Deus, começou a pensar no poder de Deus manifestado no passado do povo de Deus e na Sua obra na grande criação (vs. 11,12). A 'nuvem' tão densa e escura começou a levantar-se vagarosamente e uma pequena luz apareceu no fim do 'túnel'. Ele começou a apreciar mais a sabedoria de Deus, e como Ele age sempre com a eternidade em vista e não simplesmente pensando em providenciar uma boa-vida neste mundo para Seu povo. Passou a 'tempestade' e Ele termina o seu Salmo com louvor: "o teu povo, tu o conduziste como rebanho” (v. 20). Ele agora podia ver que o Senhor estava com ele, mostrando-lhe o caminho e o conduzindo e protegendo dos inimigos. Às vezes as ‘ovelhas’ não entendem o caminho pelo qual o seu ‘pastor’ as conduz, e pode ser “pelo vale da sombra da morte”, mas Deus sabe o que faz e sempre age para o nosso eterno bem – mesmo que isto cause tempos de profunda tristeza nesta vida.

    Uma coisa importante que aprendemos deste Salmo é que a contemplação da criação de Deus ajuda muito alguém que está sofrendo com depressão. Não há outra coisa visível que traga tanta esperança como a observação das muitas provas do Seu grande poder, cuidado, provisão e sabedoria, manifestados na Criação. Outra lição importante aqui é que a ‘luz do dia’ vem depois do tempo mais escuro da ‘noite’ pela qual passamos. Quando parece que não podemos suportar mais e que estamos no fundo do poço, então realmente estamos prestes a sair dele. 
  • HEMÃ – No Salmo 88, outro salmista, chamado (no título) “Hemã, o ezraita”, expressa a sua experiência de depressão e tribulação em forma de uma oração a Deus. Ele se sentiu preso numa 'cova' profunda e tenebrosa e sem saída (vs. 4, 6). Estava sem forças, sentindo-se esquecido por Deus (v. 5), sozinho (vs. 8, 18). Parece que estava nesta situação durante um bom tempo (v. 9) e não tinha esperança de melhorar (vs. 10, 11, 12). A pergunta "por que, Senhor?" ocupava muito a sua mente (v. 14) e indica que ele não podia identificar um motivo e pecado na sua vida. Ele tinha orado muito a Deus (vs. 9, 13, 14) e tinha passado muito tempo nesta situação (v. 15). Por isto Hemã ficou cada vez mais desorientado e confuso. O Salmo não nos informa como, ou quando, ele saiu desta 'cova' terrível, mas Deus o usou para escrever as suas experiências para nos dar mais um exemplo dum atribulado que provavelmente passou mais aflição do que temos passado, ou estamos passando agora.
  • SALMO 42 – Este Salmo é a expressão e oração duma alma abatida em circunstâncias de angústia profunda e que se acha esquecida por Deus (v. 9). Serve para descrever o sentimento de Israel no cativeiro longe de Jerusalém e da casa de Deus. O grande valor do Salmo não é somente em descobrir como ele se sentia sozinho naquele tempo, mas em como ele fala muito para sua própria alma triste e também fala para Deus em oração (vs. 5, 11). Às vezes é necessário falar seriamente com a nossa própria alma – especialmente quando sentimos que Deus tem nos esquecido. Temos de dizer a nós mesmos que isto não pode acontecer, porque Deus prometeu nunca nos abandonar (Hebreus 13:5-6). O que nós estamos sentindo não é a verdade. Também notamos como o Salmo começa e termina com uma nota de grande esperança (vs. 5b, 8, 11b). Nisto serve de grande encorajamento para nós em saber que, com certeza, o que estamos sofrendo passará.

Somente os que têm passado, ou estão passando agora, pelo mesmo caminho entendem bem a linguagem destes Salmos e encontram grande consolação em saber que pessoas piedosas no passado tiveram a mesma experiência que tivemos, ou temos. É bom saber que, mesmo na sua grande aflição foram usados por Deus para a consolação de outros, e isto nos ajuda a entender por que Deus permite o nosso sofrimento. “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdia e Deus de toda consolação! É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus” (2 Coríntios 1:3-4).

Devemos usar remédios químicos na Depressão?

Nos dias antigos não havia remédios para ajudar esta doença e a maioria pensava que não era doença que podia ser aliviada com remédios. A Bíblia não fala de remédios para aliviar a depressão, além do vinho que alegrava os corações tristes. Mas hoje a ciência moderna descobriu que nos cérebros deprimidos há uma falta de químicas necessárias para o seu funcionamento correto. Sem ‘gasolina’ o ‘motor’ não pode funcionar! Assim, agora existem remédios para repor o que falta nestes cérebros. Este processo é demorado, mas funciona e os médicos treinados nesta área sabem administrar estes medicamentos na medida certa. Tanto os médicos como os medicamentos devem ser considerados parte da provisão de Deus: “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes” (Mateus 9:12). Assim como qualquer outro medicamento ou médico que usamos numa doença física.

Geralmente, os resultados são positivos, mas o efeito é mais devagar que no tratamento do corpo e por isto é necessário haver paciência e perseverança por parte do doente. Também há vários tipos de depressão e pode demorar meses para acertar o remédio correto. Muitos param o tratamento antes do tempo sugerido pelo médico, porque parece que depois de um mês não há melhora, e os remédios são caros. Às vezes o efeito começa somente depois de dois meses ou mais de uso. Em alguns casos graves pode demorar anos para o cérebro se recuperar. Contudo, em quase todos os casos, chega o dia quando a pessoa volta a louvar a Deus como antes, e até agradecer a Deus pelo que aprendeu durante aquele tempo doloroso e inesquecível.

Esta experiência nos ensina a ter mais compaixão para com outros assim afligidos e a procurar ajudá-los melhor. Como Romanos 5:3-4 nos ensina, a tribulação produz paciência, experiência e esperança. Esta experiência também serve, não apenas para ajudar outros, mas para apreciar mais a preciosidade de sentir a presença de Deus conosco. Também nos ajuda a apreciar mais a grande complexidade do nosso ser e especialmente do cérebro humano e dar mais valor às faculdades mentais “normais”, que talvez antes considerássemos de pouco valor.

Ilustrações

Na criação de Deus há uma linda ilustração de como Deus pode usar a depressão para produzir bênçãos na vida de quem sofre com essa doença e na vida de outros. Na formação da pérola dentro da concha da ostra, esta pequena criatura vive nas trevas no fundo do mar, geralmente fixada a uma rocha. Ela se alimenta por abrir periodicamente a sua concha, assim deixando o sustento entrar com a correnteza. Às vezes um grão de areia áspero entra na concha e fica preso na sua carne, causando irritação e dor. Não tendo como expulsar o grão, a ostra começa a cobri-lo com um leite de cálcio liso para acalmar a irritação. O processo é lento, mas com meses e anos este material endurece e forma uma pérola dentro da concha. Em certos casos a pérola cresce em forma esférica perfeita e pode atingir o tamanho de um centímetro, ou mais. Há várias cores de pérolas produzidas pelas ostras. Estas pérolas maiores, bem redondas e coloridas são de grande valor – mais preciosas do que ouro – e são muito procuradas por causa da sua beleza, maneira de refletir a luz, e por causa da sua grande durabilidade. Sim! Em cada linda pérola há um grão de areia irritante – uma lembrança de que esta beleza e preciosidade surgiram na escuridão através de sofrimento.

É assim conosco nestas circunstâncias dolorosas – Deus quer produzir algo lindo, útil e durável em nós. Ele permite o sofrimento para produzir em nós a beleza espiritual que O agrada. O processo é doloroso e demorado, mas o produto é precioso e durável. “Ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:6,7).

Também a figura usada pelo salmista no Salmo 84:5-6 é de grande valor. Aqui ele fala das bênçãos da pessoa cujo coração tem sido nivelado por Deus, e que quando passa pelo “VALE ÁRIDO” (ARA) consegue fazer nele um “MANANCIAL” para si mesmo e para outras pessoas. Esta figura se aplica bem à depressão – a experiência no “deserto” onde não há alegria e somente sinais da morte. A pessoa que confia em Deus consegue achar sustento para sua alma, mesmo na tribulação profunda. Foi isto que Jó conseguiu fazer e que grande manancial ele nos deixou!

Conclusão

A depressão é uma doença complicada que afeta a mente, a alma, o espírito e o corpo. Também, na sua cura, há vários fatores – se for necessário, a confissão e o abandono do pecado, também o uso da consolação da Palavra de Deus, nosso Todo-Poderoso Criador e Pai, a oração. Também a aceitação do plano de Deus nesta provação, e a paciência em receber conselho de outras pessoas dignas, incluindo um médico especializado nesta área, e em usar corretamente os remédios prescritos, também a compreensão e o apoio da família do afligido.

Que esta meditação possa ajudar alguém que está com depressão, ou talvez ajudar uma família a apoiar melhor um membro que está nesta condição, ou, quem sabe, preparar alguém para dias escuros ainda futuros.

 

autor: José Carlos Jacintho de Campos.