A Caminho do Apocalipse - 02

“Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas;
porque o tempo está próximo” 
Apocalipse 1:3

CAPÍTULO 2

Após concluir aquilo que “viu” na ilha de Patmos, isto é, a visão do Senhor Jesus glorificado, nos capítulos 2 e 3 João passa a descrever as coisas “que são”, que se referem a atual era – a da graça – através das sete cartas às igrejas que, ao serem representadas no capítulo anterior pelos sete candeeiros de ouro, revelam que são independentes entre si, mas responsáveis pelos seus atos perante o Senhor que está entre elas. A plenitude dos sete candeeiros denota a universalidade da igreja desde o seu surgimento com a descida do Espírito Santo (Atos 2).

De imediato, convém deixar ressaltado que o Livro do Apocalipse não foi para ser de exclusivo conhecimento das sete igrejas mencionadas no versículo 11 do capítulo anterior, como entendem alguns equivocadamente, mas para“todas as igrejas” existentes (Apocalipse 2:23) até ao tempo do seu arrebatamento (1 Tessalonicenses 4:17).

Não há dúvidas que essas sete cartas foram dirigidas àquelas igrejas que existiam à época, portanto com uma aplicação local, mas a amplitude do conteúdo de cada carta desfaz a ideia que o seu uso fosse restrito àquelas localidades, pois as verdades nelas contidas são para todas as igrejas nas eras que haveriam de suceder, pois vemos com clareza que os elogios e condenações nelas existentes têm caráter profético e suas características continuaram a acontecer ao longo do tempo, com bastante ênfase em nossos dias, a saber:

  • Igrejas que, apesar de louváveis, deixaram o seu primeiro amor (Éfeso)
  • Igrejas que sofreram perseguição e tentação (Esmirna)
  • Igrejas que permitem o mundanismo, tornando-se mera religiosidade (Pérgamo)
  • Igrejas culpadas por falsos ensinos (Tiatira)
  • Igrejas que ignoram os grandes pecados existentes em seu meio (Sardes)
  • Igrejas com pequeno poder, apesar de sinceras (Filadélfia)
  • Igrejas que negam a Cristo através da sua postura materialista (Laodiceia)

Inobstante a isso, lemos em todas as sete cartas a expressão: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, que transmite com absoluta clareza que a mensagem contida em cada carta é destinada a um público maior do que simplesmente a cada igreja existente naquelas localidades.

Na introdução a essas cartas lemos repetidamente outra expressão: “Ao anjo da igreja... escreve”, cujo significado dessa personificação já foi mencionado no capítulo anterior. Ainda sobre esse assunto – anjo – William MacDonald faz menção de que há os que afirmam que esses anjos seriam mensageiros humanos que foram buscar essas cartas escritas por João na ilha de Patmos para entregá-las a cada uma dessas igrejas.

A meu ver essa é uma hipótese bastante improvável pelo fato de não existir um registro confiável a esse respeito, e pelas enormes dificuldades que esses “mensageiros” teriam para chegar até aquela inóspita ilha. Além disso, teriam que conseguir a permissão do império romano para essa visita, tendo em vista que para lá iam os que foram apenados a viver no mais absoluto desterro, isolados por completo do convívio social onde viviam, por serem considerados inimigos de Roma.

É muito provável que parte daqueles que tiram a representatividade desses “mensageiros” como seres celestiais, assim o faz por discordar da teoria da igreja católica de que eles seriam os “anjos da guarda” da Igreja de Deus. Todavia, sabemos que um erro não justifica outro! O que impediria a Deus de aparelhar sete anjos para esse mister, com uma função específica, como vemos fartamente ao longo de toda a Escritura?

Deixando de lado o controverso, há que se ressaltar que esses “mensageiros”, ainda que fossem seres humanos, seriam apenas uma parte da igreja, não o todo, portanto eles não passam de personificações, como dito na crônica anterior, pois de fato o que está sendo avaliado é o caráter espiritual da igreja, não os “mensageiros” das cartas.

Por outro lado, parece que por vezes as pessoas confundem “igreja” com o local em que se reúnem, mas de fato a igreja é uma “casa espiritual” onde cada pessoa que se converte ao Senhor torna-se uma “pedra viva” desse magnífico “edifício” (1 Pedro 2:5), e, individualmente, cada uma delas, não os tais “mensageiros”, terá que prestar contas ao Senhor pelo bem ou mal que praticaram (Romanos 14:10; 1 Coríntios 3:9-16; 2 Coríntios 5:10).

Neste segundo capítulo constam quatro das sete igrejas as quais João escreveu, vamos a elas:

1. A carta a Éfeso

Do ponto de vista profético, o período prefigurado para essa igreja vai dos anos 70 até 170 a.D. Até o ano 70 todos os apóstolos, exceto João, já haviam partido para a presença do Senhor. Portanto, ela aqui representa a igreja pós-apostólica e nela vemos que a devoção inicial ao Senhor Jesus já não era a mesma de outrora (v. 4), ela estava a se tornar uma igreja caída.

Por outro lado, a igreja em Éfeso se destacou pelo seu árduo trabalho e grande perseverança na obra do Senhor (vs. 2 e 3). Ela não tolerava os que eram maus, aqueles que se diziam apóstolos, mas de fato eram mentirosos. Por sinal, esses tais são uma grande realidade em nossos dias. Ela é também louvada pela aversão que tinha pelas obras dos nicolaítas (v. 6), que seria o início do clericalismo de pseudoapóstolos que ambicionavam a supremacia da liderança da igreja, que vinha a contrariar o princípio bíblico da pluralidade de anciãos eleitos pelo Espírito Santo para essa obra (Atos 20:28).

O nicolaísmo é uma realidade em quase a totalidade da cristandade nos dias atuais. O exemplo desse comportamento se vê através daquele que queria ser o dominador do povo de Deus: Diótrefes (3 João 9-11). É inconteste a existência de muitíssimas igrejas, das mais variadas denominações, na qual há um dono que de fato é quem manda na igreja, totalmente distante de Quem verdadeiramente a instituiu.

A igreja é exortada para que se arrependesse e voltasse à prática das suas primeiras obras, para que a sua luz não deixasse de brilhar neste mundo em trevas (v. 5). Isso é condição essencial a todas as igrejas, em todas as épocas, pois os vencedores de todas elas se servirão da árvore da vida que está no paraíso de Deus (v. 7).

 

2. A carta a Esmirna

 

Esmirna é considerada a igreja perseguida, que abrange o período de 170 a 312 a.D. Essas datas correspondem ao período das grandes perseguições dos imperadores romanos, até Constantino que se professou convertido ao Senhor em 312 a.D. Se já não bastasse Roma, houve também contra ela a blasfêmia daqueles que se diziam judeus (v. 9b), e, por sua vez, o diabo também foi implacável com essa igreja (v. 10), assim como tem sido ao longo da história da igreja haja vista a quantidade de desvios doutrinários existentes no presente século.

O Senhor a trata com grande ternura, pois sabia da sua tribulação. Ela tinha aparência de pobre, mas era rica concernente às coisas espirituais (v. 9a). Sob o jugo dos imperadores romanos ela sofreu intensas perseguições, mas a maior delas, por dez anos, de 303 a 312 a.D., foi a de Diocleciano segundo dados históricos. Um historiador da Igreja estima que durante esse período cerca de cinco milhões de cristãos teriam sido martirizados pelo testemunho do Senhor Jesus Cristo. Mas, como disse Tertuliano (200 a.D.), “o sangue dos mártires se tornou a semente da Igreja”.

Apesar disso, os cristãos verdadeiros eram encorajados a serem fiéis até a morte, ou seja, jamais renunciariam a sua fé no Senhor Jesus e com isso receberiam um galardão reservado aos mártires – a coroa da vida – (v. 10). Aos cristãos autênticos, diz o Espírito: “O que vencer de modo algum sofrerá o dano da segunda morte” (v. 11). Como vimos na crônica anterior a esta, os servos de Deus serão ressuscitados e aqueles que estiverem vivos serão arrebatados para o encontro com o Senhor, pois não passarão pelo período da grande tribulação e tampouco pela segunda morte, que é o destino de todos os incrédulos (Apocalipse 20:6 e 14).

3. A carta a Pérgamo

Considerada a “Igreja do Estado” numa união desastrosa que acarretaria enormes desvios doutrinários como vemos na igreja católica dos nossos dias. Seu período vai de 312 a 606 a.D., após a conversão de Constantino que permitiu que a igreja em Roma saísse das catacumbas onde se reunia para agir livremente na superfície. Ser “cristão nominal” caiu no agrado popular e foi um meio de se obter as benesses e o poder do Império.

Em 606 a.D., Bonifácio, que era o ancião local, foi reconhecido como bispo universal, ou seja, o primeiro papa. Como diz J. Allen – “A Igreja avidamente engoliu a isca (lançada por Constantino), sacrificou a sua consciência e fidelidade ao Senhor, e a Igreja e o mundo que até então andavam separados, passaram a caminhar de braços dados”. O clericalismo, ou a doutrina dos nicolaítas, estava estabelecido como modelo para a Igreja, e isso é algo intolerável para o Senhor (v. 15).

Em termos locais, essa igreja foi reprovada pelo Senhor por permitir em seu meio doutrinas consideradas perversas inseridas por adeptos da doutrina de Balaão (v. 14) que, dentre outras coisas, estimulavam a corrupção através da união com o paganismo, um costume tipicamente babilônico, com a desenfreada prática da imoralidade e idolatria, como fez Balaão com Israel (Números 25:1-3, 31:16). Estava formalizada na igreja a prática de se pregar o Evangelho em troca do lucro financeiro, tão em voga em nossos dias.

Em virtude da enorme prática do paganismo na localidade, o Senhor afirma que em Pérgamo estava o trono de Satanás, mas havia cristãos que lá se reuniam e não negavam a fé, como Antipas, fiel testemunha que foi terrivelmente martirizado (v. 13). Por isso o Senhor convoca os cristãos autênticos para o necessário arrependimento (v. 16), e o Espírito diz às igrejas, aos que vencerem, ou seja, aqueles que perseveram na sã doutrina em qualquer época, gozarão de uma íntima comunhão com o Senhor (v 17).

4. A carta a Tiatira– 2:18-29

Na história da igreja, Tiatira representa o período de 606 até o arrebatamento da igreja. Ela se caracterizou por um desenvolvimento constante da apostasia que chega aos nossos dias através da “igreja católica” e assim permanecerá até o fim desta dispensação com a vinda do Senhor Jesus para o arrebatamento da Sua Igreja.

Ela perdeu todas as suas características e se tornou em uma grande organização. Dentre os seus constantes e grandes desvios, se não o maior, foi a divinização de Maria ocorrida em 8/12/1854, através da bula “Ineffabilis Deus” proclamada pelo papa Pio IX, que de fato proclamou o “quarteto sagrado” constituído por Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e Maria, a “deusa mãe”. Para melhor entendimento, recomendo a leitura da minha crônica “Antes que os Demônios Assumam (1), publicada em 2009 em A Senda do Cristão, e está disponibilizada em meu site: http://www.cronicasdeumservo.com.br/ler_artigos.asp?id=86

Todavia, ela não foi sempre assim, pois o Senhor relata que além das suas boas obras havia nela outras qualidades como fé, amor, serviço e perseverança e que as suas últimas obras haviam sido mais numerosas que as primeiras (v 19). O que teria ocorrido com ela para uma queda tão grande? A resposta é a “tolerância” (v. 20). A mesma tolerância que vemos hoje no cristianismo, onde as igrejas estão a perder a sua identidade por tolerarem que o mundanismo, os pseudoapóstolos, os falsos ensinos, e até mesmo o ocultismo, tenham livre acesso ao seu meio.

Lemos nos demais versículos que as consequências foram desastrosas para aquela igreja assim como será com aquelas que estão a sucedê-la. Mas lá havia, e sempre haverá, um remanescente fiel que se conserva firme na verdade até a vinda do Senhor, e por isso nenhuma outra carga foi jogada sobre eles (vs. 24-25). A fidelidade ao Senhor será recompensada! Aos vencedores será dado o direito de reinar com o Senhor em Seu reino milenar (vs. 26-28).

“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (v. 29). Permita Deus que assim seja!

autor: José Carlos Jacintho de Campos.