Evangelizando os Canibais
— John Paton continua com a história da sua vida missionária na ilha de Tanna (Novas Hebrides). Este relato é de 1860:
Algumas semanas de tempo seco começaram a afetar o crescimento dos inhames e das bananas do povo. A seca foi imediatamente atribuída a nós e ao nosso Deus. Os indígenas de toda parte foram convocados para considerar o assunto em assembléia pública.
No dia seguinte, Nouqua, o cacique maior, e Miaqui, o chefe de guerra, sobrinho de Nouqua, nos informaram que dois caciques poderosos tinham declarado abertamente naquela assembléia que, caso o povo do porto não nos assassinassem ou nos forçassem a sair da ilha, eles chamariam todo o povo do interior e matariam tanto os nossos caciques como a nós, a não ser que a chuva viesse copiosamente nesse intervalo.
Os caciques amigáveis nos disseram: "Roguem ao seu Deus Jeová para que chova, e não vá muito longe da sua porta por um tempo; estamos todos no maior perigo, e caso a guerra venha tememos não poder protegê-los".
Esta amizade, todavia, era fingida. Eles mesmos, por serem homens considerados "sagrados", que professavam ter o poder de enviar ou impedir a chuva, de fato quiseram lançar sobre nós a culpa da sua incompetência. Assim, a ira dos pagãos ignorantes foi fomentada contra nós.
O "Sempre Misericordioso", porém, mais uma vez Se interpôs a nosso favor. No domingo seguinte, quando estávamos reunidos para adoração, a chuva começou a cair em grande abundância. Todos os habitantes acreditaram que ela foi enviada para nos salvar, em resposta às nossas orações. Assim se reuniram novamente e resolveram nos deixar permanecer em Tanna.
Entretanto, para nossa tristeza, as chuvas ininterruptas e torrenciais trouxeram muita doença e febre, e novamente os "homens sagrados" nos apontaram como sendo a causa. Ventos de furacão também sopraram e estragaram os frutos e suas árvores; mais uma oportunidade para colocarem a culpa de tudo nos missionários e no seu Deus Jeová! A provação e o perigo cresciam diariamente no meio de um povo tão terrivelmente mergulhado na superstição, e tão facilmente influenciado por preconceitos e paixão.
Os indígenas de Tanna estavam quase que constantemente em guerra entre si, todo homem fazendo o que achava mais reto, e quase toda disputa acabava num apelo às armas. Num caso, acerca do qual recebemos informação confiável, sete homens foram mortos num combate, e, segundo o costume de Tanna, os guerreiros e os seus amigos os comeram no fim da luta. As viúvas dos que foram mortos foram estranguladas e tratadas de forma semelhante. Além daqueles que caíram na guerra, os nativos que viviam em nossa região tinham matado e comido oito pessoas, geralmente em ritos sacrificais.
Dizem que o constante desejo dos canibais por carne humana se torna tão terrível a ponto de desenterrar e comerem os recém-sepultados. Dois casos desse barbarismo revoltante foram relatados como ocorrido entre os aldeões que moravam perto de nós. Numa outra ocasião o grande cacique Nouqua se tornou seriamente doente, e seu povo sacrificou três mulheres para sua recuperação.
Entre os pagãos das Novas Hebrides, especialmente em Tanna, a mulher era escrava do homem. Ela era forçada a trabalhar duramente e levava todas as cargas mais pesadas, enquanto ele andava ao seu lado com uma espingarda, porrete ou lança. Se ela o ofendesse, ele a espancaria ou abusaria dela ao seu bel-prazer. Como é triste e degradante a posição da mulher onde o ensino de Cristo é desconhecido, ou menosprezado, embora conhecido! É o Cristo da Bíblia e o Seu Espírito que levantaram a mulher e a fizeram companheira e amiga do homem, não o seu brinquedo ou escrava.
Até ao ponto que nos era possível observar, o pagão embora seguindo vagamente alguma divisão da semana em sete dias, o "domingo" em Tanna era considerado como qualquer outro dia. Mesmo quando alguns foram persuadidos a desistir do trabalho manual naquele dia, o gastavam, tal como muitos cristãos em outros lugares, em visitas aos amigos e em prazeres egoísticos, como comer e beber. Depois de passarmos cerca de um ano na ilha, conseguimos realizar um culto no domingo pela manhã que foi assistido por mais ou menos dez caciques e um número igual de mulheres e crianças que lhes pertenciam.
Depois da reunião de domingo, costumávamos andar muitos quilômetros visitando as aldeias alcançáveis, mesmo antes de aprendermos suficientemente a sua língua para podermos conversar livremente com o povo. Às vezes fazíamos um itinerário circular entre as aldeias, de 16 a 19 km na ida e o mesmo tanto na volta. Tentávamos conversar um pouco com todos os que estavam dispostos a nos escutar; e realizávamos o culto a Jeová onde encontrávamos dois ou três dispostos a se reunir, se assentar, ou se ajoelhar ao nosso lado.
Foi um trabalho fisicamente cansativo e, em muitos casos, desanimador. Não havia rostos e corações responsivos para nos animar e nos levantar em comunhão com o Senhor! Todavia, isso nos ajudou a contatar o povo, conhecer os distritos em redor, e isto permitiu que tivéssemos consideráveis audiências, exceto quando estavam envolvidos em guerra.
Nenhum progresso verdadeiro poderia ser feito, no sentido de comunicar um conhecimento espiritual, até que conseguíssemos alguma familiaridade com a língua. Logo descobrimos a existência de duas línguas distintas faladas ao nosso redor, mas nos limitamos àquela que era mais compreendida entre os postos missionários e, pela ajuda de Deus, e grande esforço, conseguimos em pouco tempo conversar com eles acerca do pecado e da Salvação através de fé em Jesus Cristo.
Confesso que era um serviço difícil e penoso, pois os tanneses eram terrivelmente desonestos e quando havia qualquer doença especial, ou excitação por qualquer motivo, seus sentimentos ruins eram demonstrados pela maneira totalmente insolente e carregavam qualquer coisa de que poderiam apoderar-se. Quando me opunha contra eles, o machado, o pau, o mosquete ou a quawas (pedra de matar) eram imediatamente levantados, indicando que a minha vida seria tomada se os resistisse. A habilidade deles para roubar às escondidas era fenomenal!
Em meio a essas tristezas, em vez do fracasso a nossa convicção aumentava, pois se Deus estava poupando a nossa vida para levá-los a amar e servir ao Senhor Jesus, logo passariam a nos tratar como seus amigos e colaboradores. Isto, todavia, não mudou os fatos árduos da minha vida, estando sozinho entre eles e sendo submetido às suas crueldades e enganado pelas suas constantes mentiras.
Talvez eu tivesse esperado demais pelo resultado das visitas de vários irmãos de fora durante essa época, incluindo o navio missionário John Williams. As impressões deixadas foram, sem dúvida, boas, todavia, sem valor permanente. Logo as coisas voltavam como antes entre os tanneses, na sua escuridão moral, guiados por satanás de acordo com a sua vontade, e impulsionados às trevas pagãs mais densas, todavia sabíamos que a transformação deles, pela graça Divina, seria possível. Com este intuito trabalhávamos, sem desfalecer, e caso desfalecêssemos nos levantaríamos novamente a fim de enfrentar tudo em Nome do Senhor que ali nos colocou.