A relativamente pequena carta de Judas nos previne contra os ensinadores perigosos que entram nas igrejas, mas se afastam da doutrina bíblica para explorar a credulidade dos seus seguidores.
Os falsos profetas e mestres já haviam sido previstos pelo Senhor Jesus em Mateus 24:11 e mais tarde por Pedro em sua segunda carta no capítulo 2:1-2. Os historiadores nos informam que quando a carta de Judas foi escrita, estava sendo divulgada a heresia do "gnosticismo", sistema de filosofia religiosa cujos adeptos diziam ter o conhecimento perfeito dos atributos de Deus (independentemente das Escrituras Sagradas), rejeitavam a doutrina bíblica da criação e negavam a realidade do corpo humano de Cristo. Dois dos resultados da entrada do gnosticismo no ambiente cristão do seu tempo foram a irreverência e a libertinagem na forma de devassidão ou imoralidade.
Dirigindo-se a todos os “chamados, amados em Deus Pai, e guardados em Jesus Cristo”, ou seja, os crentes salvos de todas as épocas, Judas declarou que sentiu a necessidade de escrever “exortando-vos a pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos”. Ele não estava se referindo à fé individual em Cristo para a salvação, mas, sim, à totalidade dos ensinos dados pelos apóstolos e profetas que formam o cristianismo e o distinguem do judaísmo e das demais religiões. Notemos que esta fé fundamental, que é o Evangelho (esta palavra se encontra 100 vezes no Novo Testamento), foi entregue aos santos “de uma vez para sempre”: é permanente e imutável. Não permite que se considerem como legítimos outros evangelhos, sejam na forma de novas “revelações”, bulas papais, mensagens de anjos, ou quaisquer outras: “Se alguém vos pregar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema.” (Gálatas 1:9).
A exortação é para pelejar, e isto quer dizer tomar uma atitude ativa, ao contrário da passividade. “Pelejar pela fé” significa manter fielmente e defender resolutamente os ensinos fundamentais e básicos da fé cristã, a doutrina evangélica. Os ensinadores perigosos penetram nas igrejas, o que é uma realidade incontestável comum por toda a parte, e terão sucesso se os membros da igreja ficarem passivos. As consequências dessa passividade serão graves e o castigo de Deus será severo. Como exemplos, Judas cita o castigo divino que nos tempos passados veio sobre os homens incrédulos e rebeldes de Israel, sobre o atrevimento de anjos e também sobre a perversidade dos habitantes de Sodoma e Gomorra.
Os ensinadores perigosos, ímpios e apóstatas, se distinguem por quatro características:
- São “sonhadores” (NVI) – Seu evangelho é uma ilusão, distante da realidade das Escrituras “Ninguém atue como árbitro contra vós, afetando humildade ou culto aos anjos, firmando-se em coisas que tenha visto, inchado vãmente pelo seu entendimento carnal” (Colossenses 2:18).
- “Contaminam” o próprio corpo – São imorais, tanto a sua mente quanto a sua consciência estão contaminadas, andando em imundas concupiscências (Tito 1:15, 2 Pedro 2:10).
- “Rejeitam” as autoridades – Indisciplinados, rejeitam o ensino apostólico, e não reconhecendo autoridade superior, seja na família, na igreja ou no país, são atrevidos e arrogantes (2 Pedro 2:10).
- “Blasfemam” de tudo o que não entendem, e difamam as dignidades – Tratam-se de seres celestiais, possivelmente dos anjos maus conforme 2 Pedro 2:11. É de se lembrar que mesmo o arcanjo Miguel não se atreveu a injuriar Satanás (este incidente é mencionado somente aqui), mas esses supostos mestres zombam do que não entendem e moralmente se comportam pior do que os animais. São comparáveis a Caim, Balaão e Coré. O primeiro não governou suas paixões de ciúmes e raiva; Balaão, pelo amor ao dinheiro, desobedeceu a Deus e depois fez que o povo pecasse gravemente (Números 25:1-9; 31:8,16); Coré difamou Moisés e Arão e rebelou-se contra eles (Números 16).
Temos a seguir sete paralelos tirados da natureza, que ilustram o comportamento dos ensinadores perigosos:
- São como "rochas submersas", perigosas para navios (versículo 12, tradução correta da NVI), ou “nódoas e máculas, deleitando-se em suas dissimulações” (2 Pedro 2:13).
- São "glutões" nas festas da igreja (2 Pedro 2:13).
- São "pastores interesseiros" engodando as almas inconstantes, tendo um coração exercitado na ganância e se apascentando a si mesmos (2 Pedro 2:14).
- São como "nuvens sem água, levadas pelos ventos", pois prometem muito, mas se vão sem dar qualquer benefício.
- São inúteis como "árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas" que são marcadas para serem destruídas.
- São como "ondas furiosas do mar" que sujam as praias com o lixo que depositam: sem governo, impetuosas, violentas, só esparramam espuma nociva.
- São "estrelas sem rumo", dirigindo-se para as trevas eternas. As estrelas sem rumo são cometas, meteoroides e outros objetos vistos à noite, que são inúteis aos navegantes por causa da sua aparente instabilidade, brilham por pouco tempo e logo desaparecem de vista na escuridão da noite. Assim também não se pode obter orientação desses ensinadores perigosos que brilham por um pouco nos púlpitos, plataformas e televisões, e logo depois desaparecem como foguetes.
Os ensinadores perigosos foram previstos por Enoque, na sétima geração depois de Adão (Gênesis 5:21-24); ele "andou com Deus" e predisse a vinda do Senhor para julgar os ímpios conforme as suas obras e as suas palavras. Note-se que esta profecia não está mencionada em Gênesis, mas (como a contenda entre Miguel e Satanás no v. 9) foi informada pelo Espírito Santo a Judas. Além da profecia de Enoque, os apóstolos já tinham avisado a igreja acerca dos "mestres" ímpios antes desta carta de Judas. As palavras de Pedro (2 Pedro 3:3) são transcritas aqui e há referência também a Romanos 16:17-18 e a 2 Timóteo 3:1-8. Provavelmente todos os apóstolos ensinavam estas coisas no seu ministério entre as igrejas; veja Atos 20.29-31.
Esses ensinadores perigosos, "pastores ímpios", não têm o Espírito Santo (v. 19), nunca se converteram a Cristo e nunca nasceram de novo. São "sensuais sem percepção espiritual" e causam divisões entre os cristãos; fundam "igrejas" e "congregações" que são deles mesmos e não de Cristo.
Judas, ao concluir, indica quatro meios de "batalharmos pela fé" para mantermos nas igrejas a sã doutrina e a conduta digna do Senhor (vs. 20-23):
- Edificação na "vossa fé santíssima" (v 20) – Isto se faz pelo estudo da Palavra e pela obediência aos seus ensinos. Crentes que negligenciam as reuniões para estudo bíblico e para o ministério da Palavra são geralmente os primeiros a serem seduzidos por falsos mestres e divisionistas, pois não estão firmados nem edificados na doutrina de Cristo.
- Oração – Aqui se contempla a igreja reunida em oração; os que regularmente se ausentam destas reuniões, raras vezes são crentes dados à oração particular em casa! Porém, a oração "no Espírito Santo" é realmente a maior proteção contra o falso ensino e a carnalidade.
- Firmeza no amor de Deus (v. 21) – Esse amor foi mostrado no Evangelho da nossa salvação: "Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito" (João 3:16); "Pela graça sois salvos mediante a fé" (Efésios 2:8). Esperamos a Vinda do Senhor e a perfeição da nossa redenção (Romanos 8:18,23). Somos salvos para a santidade, não para o pecado.
- Compaixão para os crentes fracos e enganados (vs. 22-23) – Em vez de censurá-los, esforcemo-nos para guardá-los na fé, orando por eles, aconselhando-os com amor. Quanto aos que parecem ainda estar perdidos, seguindo o pecado (embora chamando-se cristãos, "mais liberais"), tenhamos pena deles, porém, cuidando de nós mesmos, separando-nos inteiramente do mal.
A Epístola termina com uma notável peroração de louvor a Deus "Àquele que é poderoso para guardar e apresentar": guardar de tropeçar e apresentar perfeitos diante do Seu trono. No v. 25, eterno louvor ("antes de todos os séculos, e agora, e por toda a eternidade") se oferece ao "único Deus, Salvador nosso" mediante "Jesus Cristo, Senhor nosso" - palavras que nos mostram tanto a unidade de Deus, como a igualdade de Jesus Cristo com Deus, o Pai.
Assim finda esta epístola curta, mas importante e solene. Como temos visto (v. 4), os libertinos entraram nas igrejas nos tempos apostólicos. Durante os séculos da Idade Média, o seu joio estragou quase completamente a moralidade e a espiritualidade do cristianismo. Hoje em dia, há pregadores e seitas inteiras que negam "a fé uma vez dada aos santos", assim desprezando a autoridade da Bíblia e relaxando o padrão cristão de moralidade e de piedade.
Cumpre-nos, portanto, sermos fiéis, vigilantes e combatentes ativos em defesa da santidade do Evangelho dentro da nossa igreja, eliminando a manifestação do mal e cuidando para que ensinadores perigosos não sejam convidados e ouvidos dentro dela.