A palavra “sudário” não aparece nas traduções da Bíblia em português, embora conste nos dicionários do nosso idioma. No dicionário Aulete ela é definida como “pano que era usado para enxugar o suor e que foi substituído pelo lenço” e também como “tipo de lençol com o qual se envolve cadáveres: mortalha”.
No texto grego do Novo Testamento, a palavra “soudarion” descreve o pano que foi usado para envolver a cabeça do Senhor Jesus, e que foi deixado por Ele ao ressuscitar, separado dos panos, “enrolado num lugar à parte” (João 20:7).
A descrição simples feita por João tem fascinado muita gente através dos tempos, tendo sido testemunha ocular, o “outro discípulo” em seu relato, declara no versículo seguinte, que ele “viu e creu”. Sabemos que ele viu, mas porque creu ao ver aquela cena dentro do túmulo? Haveria alguma significação especial na disposição do sudário que ele não esclarece?
O fato de não existir qualquer outra referência na Bíblia aos panos deixados pelo Senhor no túmulo, permitiu o surgimento de lendas, particularmente na Idade Média, em que se dava um valor especial a dois panos manchados de sangue que diziam ser os mesmos, com virtudes espirituais e curativas. São conservadas como relíquias até hoje, conhecidas como os sudários de Turim e de Oviedo.
Recentemente foi circulada entre nós uma suposta explicação, segundo a qual o fato do sudário ser encontrado à parte, enrolado, seria uma figura da ausência temporária de Cristo, que havia sido compreendida por João. Entre os judeus seria costume, à mesa, um comensal deixar o guardanapo dobrado perto do prato quando tivesse que sair por pouco tempo, para que seu prato não fosse retirado. Em algumas traduções inglesas “sudário” é traduzido por “guardanapo”, explicando o paralelo, mas aqueles discípulos não usavam esse idioma.
Sem precisar esticar tanto a imaginação, temos outra teoria que ainda é aceita e ensinada: que o Senhor Jesus, ao ressuscitar com um corpo transformado e glorioso, com vestes celestiais, tomou o cuidado de arrumar os panos e o sudário direitinho para nos dar um exemplo de ordem, sem pressa para sair do túmulo. João teria notado ali as características do Mestre, que ele conhecia tão bem, e não teve mais dúvidas que Ele havia ressurgido.
Quantas vezes, por falta de atenção, somos levados a fazer suposições, dando asas à imaginação, sobre fatos bíblicos que nos parecem curiosos. Se uma suposição nos parece ser verossímil, contamos aos outros. É assim que eventualmente algumas delas, polidas e envernizadas, entram no folclore como se fossem fatos certos e comprovados.
No entanto, encontramos no relato de João toda a realidade, sem necessidade alguma de fazer conjecturas:
1. A prova inequívoca da ressurreição - A disposição dos panos e do sudário era exatamente como ficariam se o corpo dentro deles repentinamente se “esvaziasse”, transformando-se em substância desconhecida para nós, algo material e ao mesmo tempo etéreo com que o Senhor Jesus Se apresentou aos Seus discípulos mais tarde. Os panos (de linho com cem libras duma mistura de mirra e aloés, uma goma que selava o tecido) e o sudário ficaram exatamente como estavam, enrolados e separados, mas achatados, vazios. Se o corpo tivesse sido levado pelos discípulos (ou outros) enquanto os soldados dormiam, como divulgaram os sacerdotes, seria improvável que o tenham despido primeiro, e, mesmo se tivessem, os panos não poderiam ter sido arrumados direitinho outra vez como foram achados. Nem faria sentido, pois estariam com muita pressa para evitar ser apanhados.
2. A realidade do que os apóstolos viram - João diz que “(os discípulos, Pedro e João) ainda não entendiam a escritura, que era necessário que Ele ressurgisse dentre os mortos”. Eles não eram crédulos ingênuos, muito ao contrário, muitas vezes demonstraram a sua incredulidade. Eles amavam o seu Mestre, e concordavam que era o Messias, mas não levavam a sério muitas coisas, inclusive a necessidade da Sua morte e muito menos ainda a Sua ressurreição. Mas agora, ao ver ali a sepultura vazia e os panos ainda intactos onde o corpo havia jazido, João creu na ressurreição sem ainda ter visto o Messias ressurreto.
3. A importância de não só ver, mas também de perceber e compreender, e de assim saber - No original grego isto fica mais claro, porque são usadas três palavras diferentes nos versículos 5 a 8, todas traduzidas por “ver” em português:
- Quando João “abaixando-se viu os panos de linho ali deixados” a palavra é percebeu e compreendeu. Ele fez uma inspeção e percebeu.
- Quando “Simão Pedro entrou no sepulcro e viu”, a palavra grega é theomai (origem de teatro), mostrando que ele simplesmente olhou o espetáculo diante dele, sem dar conta do seu significado.
- Quando João “entrou também ele viu e creu.” Significa que ele soube, assim ele soube e creu.
Pedro apenas olhou, e não refletiu para perceber, compreender, saber e finalmente crer. Foi preciso que Senhor Jesus aparecesse pessoalmente diante dele pouco depois, para que viesse a crer.
Sigamos sempre o exemplo de João ao estudarmos a Palavra de Deus. Não basta apenas ler, é preciso perceber do que se trata, compreender a mensagem e, sabendo, crer no seu ensino. Não nos desviemos para formar conjecturas que para nada servem.