O profeta Oseias

Na introdução do seu livro de profecias, que empresta o seu nome (hebraico hôshêa’, que se traduz “salvador”), Oseias apenas se apresenta como filho de Beeri, sobre quem nada mais sabemos. Foi o único profeta oriundo do reino de dez tribos do norte, chamado Israel, que escreveu um livro incluído na Bíblia.

Oseias profetizou em Israel durante cerca de 70 anos; foi contemporâneo de Isaías e Miqueias. A declaração no primeiro versículo esclarece que a Palavra do Senhor veio a ele "nos dias de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel”. Calcula-se que Uzias reinou entre 810 e 758 a.C. e Jeroboão, filho de Joás morreu em 743 a.C.

A sua história pessoal, descrita nos capítulos 1:1 a 11 e 3:1 a 5 do seu livro, informa que Oseias se casou com uma mulher chamada Gomer, que teve com ela dois filhos e uma filha, a quem deu nomes simbólicos a mandado do Senhor, que ela depois o abandonou para entregar-se à devassidão, mas Oseias continuou a amá-la e finalmente salvou-a da escravidão para que fosse sua esposa novamente. Sua experiência trágica fez com que pudesse entender como Deus amava o povo de Israel e desejava a restauração daquela nação infiel.

Em seu livro, Oseias lamenta a imoralidade dos chefes em Israel, a falta de confiança em Deus, a deslealdade ao concerto de Deus com o Seu povo, e salienta o amor e a lealdade de Deus. Conclui com a futura cura e restauração do remanescente do povo de Israel (veja Romanos 11:25-27).

São importantes as citações deste livro que se acham no Novo Testamento, prevendo a volta de Jesus do Egito quando menino, a salvação dos gentios e a grande tribulação (veja Mateus 2:15 e 9:13; Lucas 23:30; Romanos 9:25-26; Apocalipse 6:16).

O profeta, logo de início, informa que o seu casamento foi feito em conformidade com a vontade de Deus. Isto pode parecer inverossímil, se for entendido descuidadamente que Oseias foi instruído a se casar com uma prostituta. Um entendimento assim obviamente traz implicações morais, inconsistentes para um homem de Deus. Por isto, muitos comentaristas se sentem forçados a julgar que é apenas uma alegoria para ilustrar o relacionamento entre Israel e Deus.

UMA ALEGORIA APENAS?


Os intérpretes judeus em sua generalidade consideram aqueles textos como sendo alegóricos, e alguns comentaristas do início da igreja cristã encontraram nas palavras finais do livro de Oseias uma justificação para entender que era apenas uma visão: "Quem é sábio, para que entenda estas coisas? prudente, para que as saiba? porque os caminhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles; mas os transgressores neles cairão” (capítulo 14:9).

É um mistério, diziam eles, para ser desvendado pelos sábios e prudentes, pois é escandaloso até mesmo pensar que Deus possa ter ordenado a Oseias casar-se com uma prostituta, por melhor que seja a finalidade. Os caminhos do Senhor são retos, e o fim não justifica os meios.

Declaravam que só podia ser uma figura, como aquela quando Jeremias foi instruído a ir até o rio Eufrates (estando Jerusalém sitiada fortemente por todos os lados) para esconder um cinto no leito do rio (Jeremias 13). Ezequiel também foi ordenado a fazer algumas coisas que nos parecem extravagantes para representar o cerco de Jerusalém e indicar os anos da sua iniquidade (Ezequiel 4 etc.).

Junto com Calvino, muitos comentaristas modernos sustentam que uma aceitação literal dos fatos é impossível, e até desnecessária. O paralelo da alegoria com a história do relacionamento de Deus com Israel é bem claro, sem precisar de tamanho sacrifício: o amor que o profeta teria pela sua mulher seria tão grande que, perdoando o seu pecado contra si, foi buscar e restaurá-la. Assim também, apesar de negado e traído pelo povo de Israel, representado pela mulher na alegoria, Deus ainda cumprirá as promessas que fez aos patriarcas. Persiste atualmente um divórcio no sentido material, mas haverá finalmente resgate e reconciliação.

O ENTENDIMENTO SÁBIO E PRUDENTE

A aceitação literal desses textos é perfeitamente viável, sendo que foi e continua a ser defendida por muitos expositores de renome na atualidade. O original hebraico não exige entender que a mulher Gomer fosse imoral antes do casamento. Esse significado, inclusive, destrói o paralelismo de Gomer com o povo de Israel que, ao sair do Egito pela mão de Deus até o Sinai, não estava ainda contaminado pela idolatria.

A expressão "uma mulher de prostituições e filhos de prostituição" prevenia Oseias da natureza pecaminosa da mulher em comum com o povo “porque a terra se prostituiu” (Oseias 1:2), explicando o comportamento posterior daquela mulher. A expressão “filhos de prostituição” não indicava que sua mãe já os tivesse ao casar, mas a natureza dela (veja um paralelo em 1 Coríntios 7:14).

Assim sendo, a mulher não teria que ser uma prostituta profissional ou religiosa antes do seu casamento, mas seria uma mulher do mundo daquele tempo. A sua impiedade veio à tona mais tarde, ao deixar o profeta para afundar-se cada vez mais em seu pecado. Ao escrever o relato posteriormente, o profeta já estava ciente do verdadeiro caráter dela e por isso não estranhou a qualificação feita por Deus no início da sua profecia.

Existem outras variantes, dado que “prostituições” também podem significar as falsas religiões que prevaleciam em Israel naquele tempo. Pode-se entender, portanto, que o profeta se casou com uma mulher idólatra, que transmitiu a idolatria aos seus filhos, conforme o capítulo 1, versículo 2. A infidelidade conjugal e declínio moral da mulher seriam produto da sua idolatria.

EM CONCLUSÃO

Oseias é o profeta que mais realça a extensão e a profundidade do amor de Deus, tendo ele próprio passado pelas agruras da traição e do horrível desmoronamento espiritual, moral e físico da sua esposa, e sofrendo mais ainda porque continuava a amá-la.

No início do ministério do profeta, o Reino do Norte estava aproveitando a prosperidade que tinha e se envolveu na idolatria dos povos que o cercavam e apostataram contra o verdadeiro Deus. O que Oseias descreve sob a figura repulsiva de prostituição era a adoração desenfreada aos baalins que tinha praticamente obscurecido o reconhecimento das reivindicações únicas para o culto do Deus de Israel.

Esta era uma forma antiga e insidiosa de idolatria. A adoração das tribos cananeias, entre as quais os israelitas se encontraram quando da ocupação da Terra Prometida, dirigia-se a divindades locais, conhecidas pelos nomes dos lugares onde cada uma tinha seu santuário ou influência. O nome genérico de “baal”  (senhor) era aplicado naturalmente como uma palavra comum para cada uma delas, com a adição do nome do lugar ou cidade para distingui-los. Assim, encontramos Baal-Hermom, Baal-Gade, Baal-Berit etc.

A insídia deste tipo de adoração é comprovada pela sua ampla prevalência através dos tempos, quando a mente ignorante é colocada face a face com as forças misteriosas e invisíveis da natureza. E a tenacidade do sentimento se evidencia mesmo hoje pela prevalência de tal adoração por pessoas cuja religião professada condena a idolatria de todo tipo. No falso cristianismo são notórias as peregrinações aos santuários de mortos que, embora não sejam formalmente adorados como divindades, têm a mesma reputação de trazer benefícios.

Tal era a condição que Oseias descreve como uma ausência do conhecimento de Deus (capítulo 4:1). E a consequência não pode ser descrita melhor do que nas palavras de Paulo: "assim como eles rejeitaram o conhecimento de Deus, Deus, por sua vez, os entregou a um sentimento depravado, para fazerem coisas que não convêm" (Romanos 1:28). Tanto Oseias como Amós nos dizem em termos claros como os devotos do culto impuro entregaram-se "à lascívia para cometerem com avidez toda sorte de impureza” (Efésios 4:19).

A situação espiritual do mundo atual tem ainda todas as características daquele tempo, às quais podemos agora acrescentar o humanismo, que apregoa a superioridade do ser humano, sem Deus, apoiado pelas teorias impossíveis do evolucionismo, tudo levando ao materialismo egoísta e inimigo de Deus.

A triste experiência de Oseias se repete frequentemente de forma semelhante nos casamentos mistos de crentes com descrentes, enquanto a de Israel, representada por Gomer, se vê também nas igrejas que se afastaram de Deus ao permitirem que o mundo nelas entrasse. Estejamos prevenidos e atentos para não sermos também vítimas de alianças com os inimigos do nosso Deus.

autor: R David Jones.