Há um entendimento quase universal que "Cantares de Salomão", também chamado "O Cântico dos Cânticos", é o relato de uma história de amor puro e fiel, mas o seu significado espiritual tem sido interpretado de maneiras diferentes através dos quase três milênios desde que foi escrito. Em grande parte, é um diálogo, mas há dificuldade em discernir quem fala. Estamos certos que foi inspirado pelo Espírito Santo para o nosso ensino, e por isso procuramos encontrar as lições contidas em suas páginas.
Não havendo amor mais sublime do que o do Senhor Jesus Cristo para com a Sua Igreja, partimos daqui com a premissa que é uma profecia em que as duas figuras principais, ou seja, o pastor (namorado, noivo, esposo e Rei, conforme a tradução usada) corresponde ao Senhor Jesus, e a jovem sulamita na corte de Salomão representa a igreja de Cristo. As filhas de Sião, filhas de Jerusalém, nos lembram do povo do mundo, dentro do qual se encontra a Igreja.
Verifiquemos a seguir o texto que se encontra no capítulo 4, versículos 12 a 15, deste livro, usando essa interpretação.
Tendo já expressado a sua apreciação da noiva, o Rei está a compará-la a um jardim fechado, assim como a noiva está inteiramente separada para Si. No meio de um deserto estéril o Rei tem Seu jardim fechado onde há mananciais de água e frutas agradáveis para o Seu prazer.
Parece que desde o início dos tempos da criação o propósito de Deus foi ter um “jardim” neste mundo para o Seu prazer. Foi por isto que o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, na direção do Oriente. Nesse jardim havia árvores agradáveis à vista e boas para o alimento, e um rio para regar o jardim e fluir para o mundo ao redor. Mas o pecado entrou e o casal pioneiro, Adão e Eva, foi expulso do jardim e a terra foi amaldiçoada.
Séculos depois, o Senhor plantou outro “jardim”. Ele criou e fez crescer entre as nações um povo especial chamado Israel, e o comparou a uma vinha em uma colina fertilíssima. Separando-o das outras nações com uma cerca, Deus "edificou no meio dela uma torre e construiu nela um lagar”. Mas novamente o pecado estragou o jardim, e produziu apenas uvas silvestres; em consequência a vinha foi destruída e a colina transformada em deserto (Isaías 5:1-7).
Atualmente o Senhor tem o Seu “jardim’’ sobre a Terra, na forma de uma lavoura: o apóstolo Paulo escreveu à igreja que se reunia em Corinto que seus membros eram “lavoura” de Deus, plantada por Paulo e regada por Apolo (1 Coríntios 3:6-9), mas à qual Deus dava o crescimento. Infelizmente, também este “jardim” tem sido perturbado, pois "enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou o joio entre o trigo" (Mateus 13:25), resultando em impurezas, divisões, dispersões ficando apenas alguns traços isolados deste jardim do Senhor.
Quando nos voltamos para Cantares 4:12-15, encontramos uma descrição notável do “jardim” que é adequado ao Senhor. À medida que percorremos o ambiente deste belo “jardim”, aprendemos não só o que é requerido pelo Senhor, mas o quão pouco correspondemos ao desejo do Seu coração.
Lembremos que o jardim do Senhor é um “jardim fechado". Isto significa separação, preservação e santificação. Aos olhos de Deus, este mundo é apenas o lugar estéril onde o Seu Filho Se fez carne, viveu e deu Sua vida humana em resgate de muitos (Mateus 20:28); mas no meio dele existem os que o Senhor considera como sendo de Sua propriedade e diz que são Seus, e à medida que ouvimos o desejo do Senhor para os Seus, como está expresso na Sua grande oração em João 17, começamos a perceber o profundo significado espiritual de um "jardim fechado." Um "jardim fechado" envolve a separação do deserto circundante, o que nos leva a lembrar que o Senhor disse ao Pai que os Seus não são do mundo, assim como Ele não é do mundo. Um “jardim fechado" tem em vista a preservação das plantas delicadas nele cultivadas: de acordo com este pensamento, ouvimos o Senhor orando para que Seu povo seja protegido do mal. Enfim, se um “jardim fechado" implica num lugar separado para o usufruto do proprietário, então ouvimos o desejo do Senhor que Seu povo seja santificado.
Portanto esses são os desejos do Senhor: ter um grupo neste mundo, definitivamente separado do mundo, preservado do mal do mundo, formando um “jardim fechado” dedicado ao Seu prazer pelo fruto que produz (Gálatas 5:22).
Mas o jardim do Rei não é apenas um "jardim fechado": é um jardim regado. Israel em seu declínio é comparado a "um jardim que não tem água", mas no dia da sua futura restauração o profeta pode dizer a Israel: "tu serás como um jardim regado, e como um manancial cujas águas jamais faltam" (Isaías 1:30 e 58:11).
O "manancial recluso" não depende do deserto circundante para seu suprimento, o manancial está dentro do jardim. Assim é com o povo do Senhor: ele tem um manancial secreto de abastecimento, o Espírito Santo, "que o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece” (João 14:17). É possível entristecer o Espírito e silenciá-Lo, mas como as nossas almas se tornam áridas quão infrutífero se torna o povo de Deus quando o Espírito é abafado. Ele é o "Manancial", e cuidemos em manter a Sua porta cuidadosamente "fechada" contra a intrusão da carne, para que os “filisteus” não encham nossos poços com terra como nos dias de Abraão.
O "manancial recluso" é também "uma fonte selada." O manancial fornece um suprimento infalível, e a fonte, um suprimento abundante subindo até seu manancial. O Espírito Santo não é apenas uma fonte permanente, morando conosco e atendendo todas as nossas necessidades ao longo de nosso caminho peregrino, mas é também “fonte de água a jorrar para a vida eterna” (João 4:14). O manancial está separado para o Rei: está "selado". Como “manancial” o Espírito Santo está ocupado conosco e nossas necessidades, como “fonte” Ele está totalmente ocupado com Cristo e nosso relacionamento com Ele.
O jardim do Rei é um jardim frutífero. As plantas deste jardim formam um “pomar de romãs” com "frutos excelentes", e árvores e outras plantas produzindo incenso e todas as especiarias principais. As plantas podem variar em tamanho e beleza, na fragrância e fecundidade, mas todas são para o deleite do Rei. É assim no jardim do Senhor: não há dois crentes iguais, mas todos ministram ao Seu deleite.
O jardim do Rei não só provê para o Seu deleite, mas é um manancial de bênção para outras regiões, “fonte dos jardins, poço das águas vivas, torrentes que correm do Líbano”: estando o jardim do Senhor "fechado" e sendo regado por "uma fonte fechada, um manancial selado," rendendo seu precioso fruto para o Senhor, ele também é um manancial de bênção para o mundo ao redor, produzindo "rios de água viva" em homens que estão morrendo fora dos seus muros (João 7:38).
Como é bom para as nossas almas passar algum tempo dentro do jardim do Rei e procurar aprender o significado espiritual dos muros que o cercam, do manancial que o refresca, dos frutos e especiarias que nele crescem, e dos rios que fluem para as terras improdutivas que estão além. Precisamos de todas as lições do jardim, porque o nosso serviço é frequentemente pobre e parcial. Estamos inclinados a gastar muito trabalho em uma parte do jardim em detrimento de outra.
Na história do jardim do Senhor, muitas vezes aconteceu que alguns se ocuparam tanto com “o muro e a vala” que negligenciaram as “flores e as frutas”. Esses limitaram o seu trabalho à manutenção da separação do mundo e da exclusão do mal no jardim do Senhor, de forma que pouco tempo lhes restou para o cuidado das almas dentro dele. O resultado foi que garantiram para si um jardim exclusivo, mas nele houve pouco fruto para o Senhor e pouca bênção para o mundo ao redor.
Por outro lado, outros se esqueceram de manter o manancial fechado. A carne penetrou desimpedida no jardim do Senhor, tornando o Espírito Santo inoperável, e em consequência o jardim deixou de produzir o seu fruto agradável para o Senhor.
Outros, por sua vez, foram tão atraídos pelas flores e frutos que se descuidaram das sebes e das valas, e assim os muros circundantes caíram em ruína, o mal entrou pelas brechas, e o jardim do Senhor foi abafado por ervas daninhas, tornando-se infrutífero.
Finalmente, há outros que se absorveram tanto com os rios que fluem para o mundo em volta que deixaram de lado as plantas que cresciam dentro do jardim, e assim o jardim deixou de produzir frutos para o Senhor.
Lembremo-nos que o jardim não é nosso, mas do Senhor (versículo 16).