Não é raro surgir, nas igrejas, alguma discussão sobre o que se deve colocar no cálice da Ceia do Senhor, pois não está especificado na Bíblia. Que importância tem isto?
Sua importância está no que representa. Quando instituiu a Ceia do Senhor, Jesus Cristo estava terminando de celebrar sua última refeição da festa da Páscoa com os Seus discípulos, em que se comia carne de cordeiro e verduras, com pão sem fermento, e se bebia vinho, de preferência novo. Ele então declarou que o pão era Seu corpo e o cálice era a nova aliança no Seu sangue (Lucas 22:20, 1 Coríntios 11:25).
O que estava dentro do cálice? Deduz-se que naquela ocasião seria suco de uva ou vinho novo ainda não contaminado pela levedura: o Senhor declarou claramente que “não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai“ (Mateus 26:29).
Vinho é o nome de uma bebida alcoólica feita a partir de uvas fermentadas. A levedura consome o açúcar nas uvas e o converte em etanol, dióxido de carbono, e calor. As variedades diferentes de uvas e estirpes de leveduras produzem diferentes tipos de vinho.
Essas variações resultam das complexas interações entre o desenvolvimento bioquímico da uva, as reações envolvidas na fermentação, o “terroir” e o processo produtivo. Muitos países criam nomes diferentes para definir estilos e qualidades de vinho. Estes tipicamente restringem a origem geográfica e as variedades permitidas de uvas, bem como outros aspectos da produção do vinho. Existem ainda vinhos não fabricados a partir de uvas, mas de arroz, e de frutas como ameixa, cereja, romã, groselha e sabugueiro.
O vinho tem sido produzido e modificado pela humanidade através de milhares de anos, sendo consumido por causa do seu sabor, e dos seus efeitos intoxicantes que induzem à dependência química, como as drogas. O vinho tem desempenhado há muito tempo um papel importante nas religiões do mundo. O vinho tinto substituía o sangue em cerimônias religiosas dos antigos egípcios, e foi usado tanto pelo culto grego de Dionísio como pelos romanos em suas orgias dedicadas ao seu deus Bacus. O Judaísmo também o incorpora no Kidush como alternativa ao suco de uva, e a instituição católico-romana na sua eucaristia usa vinho como sendo autenticamente o sangue de Cristo, reservado apenas ao clero.
Em nossas traduções da Bíblia para os idiomas modernos, o suco de uva puro, novo, bem como o fermentado são igualmente chamados de “vinho”, mas as Escrituras originais em hebraico e caldeu claramente distinguem as duas substâncias, usando várias palavras, por exemplo:
- `ênâb = produto de uma uva madura: usada em “bolos de passas” (Oseias 3:1)
- mamçak = vinho misturado com água ou especiarias: traduzido como "vinho misto" (Provérbios 23:30 etc.)
- 'âsîys = suco de uva fresco: traduzido como "vinho novo" em Joel 1:5 e "vinho doce" em Isaías 49:26, etc.
- yekeb = o suco de uva puro que flui do lagar: traduzido como "vinho" (Deuteronômio 16:13).
- tîyrôsh = suco de uva logo após ter sido espremido: traduzido como "vinho" em Gênesis 27:28 e muitos outros lugares, também como "vinho novo" em Provérbios 3:10, Isaías 24:7, e outros lugares.
- yayin= vinho e por implicação, os banquetes, traduzido como "vinho" e associado com a embriaguez, como em Gênesis 9:21 (onde é mencionado pela primeira vez), Gênesis 19:32, 27:25, e muitas vezes mais tarde.Esta é a palavra usada em Levítico 10:8 e 9, onde o Senhor proibiu Aarão e seus descendentes de beber yayin ao entrar no Tabernáculo da Congregação sob pena de morte, também mencionado em Ezequiel 44:21 etc.
- shêkâr = um licor ou vinho intensamente alcoólico: traduzido como "vinho forte" (Números 28:7), sendo esta uma repetição de Êxodo 29:40 onde a palavra usada é yayin (veja acima). Os consagrados nazireus foram proibidos de beber yayin e shêkâr, o vinagre feito a partir deles e qualquer licor feito de uvas, uvas úmidas ou passas de uvas (Números 6:3 etc.). A esposa de Manoá também foi proibida pelo anjo do Senhor de beber yayin ou shêkâr. Os bêbados, bebedores de yayin, chorariam e uivariam porque só tinham 'âsîys para beber (Joel 1:5).
Constata-se assim a progressiva deterioração do suco de uva ('âsîys), inicialmente saudável e saboroso, em uma substância maléfica (yayin e shêkâr), por isso proibida no Velho Testamento aos que serviam ao Senhor no templo e aos nazireus que lhe eram consagrados.
O Novo Testamento foi originalmente escrito na língua grega, que não distingue o suco de uva do vinho, chamando ambos de “vinho”. Às vezes os distingue pela idade: “vinho novo”, “bom vinho”, e “vinho velho” como, por exemplo, Mateus 9:17, Lucas 5:39, João 2:10.
É notável que, ao fim da última ceia da Páscoa com Seus discípulos, ao dar início ao memorial da “Ceia do Senhor”, Jesus Cristo introduziu o uso do pão e do “fruto da vide” como símbolos do Seu corpo e do Seu sangue. Declarou que não mais beberia daquele fruto da videira (suco de uva) – até bebê-lo “novo” no reino do seu Pai (Mateus 26:29, Marcos 14:25).
Concluímos, portanto, que o vinho forte, como as outras bebidas alcoólicas, não é apropriado para uso no cálice da Santa Ceia, dado que a maioria das referências a ele na Bíblia são altamente negativas. É preferível o suco de uva ou, na sua falta, outro líquido saudável não alcoólico.