Divina inspiração das epístolas de Paulo

Paulo diz que "toda Escritura é inspirada por Deus" (2 Timóteo 3:16), mas em algumas passagens ele usa a expressão "falo como homem" (Romanos 3:5; 6:19; 2Co.11:17; Gl.3:15). Como conciliar isso?

Paulo declarou que "toda a Escritura é inspirada por Deus": nossa respiração física consiste em inspirar o ar que contém o oxigênio vital para o nosso organismo; assim também os escritores sagrados receberam diretamente de Deus, como um sopro, o conteúdo das mensagens que escreveram.

A perfeição e a infalibilidade das Escrituras reunidas em nossa Bíblia atestam à influência extraordinária e sobrenatural exercida por Deus através dos séculos sobre os seus vários escritores, mediante a Sua inspiração. A Bíblia, que é a coleção de todos os seus livros, é um milagre que só Deus poderia ter operado. Ela está completa, contém toda a revelação de Deus escrita para a humanidade, e Ele nada mais tem para nos dizer em nossa atualidade - se dissesse, seria uma repetição do que já está escrito.

Mas os escritores não foram como robôs, ou apenas escribas de textos que lhes eram ditados. A maravilha é que Deus usou as suas personalidades para expressar Suas verdades eternas mediante o processo de raciocínio humano, de forma a transmitir exatamente a mensagem de Deus em uma linguagem que está ao alcance do intelecto de cada um de nós.

Assim podemos perceber as características de estilo peculiares a cada escritor através dos livros da Bíblia, sem de forma alguma prejudicar a sua perfeita concordância e coerência, embora tenham sido escritos através de séculos por homens de variadas culturas, ocupações e idiomas.

Como os outros escritores, o apóstolo Paulo deixa bem claro a sua estilística própria. Educado na melhor escola da seita judaica dos fariseus, em meio à cultura grega que prevalecia em seu tempo, seus escritos primam pela exatidão da linguagem e pela lógica dos argumentos, alguns dos quais requerem grande atenção para serem compreendidos. Algumas vezes ele até coloca lado a lado pontos de vista diferentes para maior elucidação do que está a ensinar.

Pedro se refere a ele dizendo "... nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição." (2 Pedro 3:15,16). Note-se que Pedro coloca os escritos de Paulo em igualdade com as outras Escrituras.

Paulo encontrou considerável oposição dentro da igreja de Corinto ao que ele ensinava. Alguns até punham em dúvida o seu ministério e a sua autoridade de apóstolo, o que o obrigou a defendê-la brilhantemente em sua segunda carta àquela igreja (capítulos 10 a 12). Ele disse que se fazia de insensato ao aparentemente se vangloriar das suas notáveis experiências, pois "não é aprovado quem a si mesmo se recomenda, mas aquele a quem o Senhor recomenda" (10:18 - NVI), e "ao ostentar este orgulho, não estou falando segundo o Senhor, mas como insensato" (11:17 - NVI).

Temos aqui uma ilustração da retórica de Paulo: como servo fiel do Senhor, ele era humilde e abnegado e normalmente nunca iria exaltar sua própria pessoa diante dos outros. Mas a única maneira de eliminar o mal causado pela maledicência dos revoltosos dentro daquela igreja foi de defender-se, falando como insensato, e não segundo o Senhor. Sem dúvida, fora inspirado por Deus a escrever desta forma, para remediar o mal naquela igreja e em inumeráveis outras até os dias hoje, onde aparecem aqueles que querem pôr em dúvida os seus ensinos.

Vejamos agora os outros textos apresentados pelo nosso indagador:

Romanos 3:5: "E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura, será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.)". Paulo aqui está propondo um argumento sofista, isto é, de alguém que usa habilidade retórica para defender um argumento logicamente inconsistente. Portanto, um homem. Isto não quer dizer que Paulo não estava escrevendo por inspiração divina, mas apenas apresentava um ponto de vista falho e humano para posterior argumentação. Mas a própria indagação já convida a uma resposta negativa, e nos versículos seguintes o apóstolo esclarece perfeitamente a justiça de Deus como realmente ela é.

Romanos 6:19: "Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para a santificação." Este é um notável exemplo de como a palavra de Deus nos é apresentada: nosso intelecto e conhecimento é limitado de uma forma ou outra pelo ambiente em que vivemos e pela nossa experiência, limite este aqui chamado de fraqueza da carne. Paulo então fala como homem a fim de ser compreendido pelos romanos. Eles estavam acostumados à prática da escravidão, ou servidão, e Paulo usa essa metáfora para ilustrar a transformação do comportamento pecaminoso em piedoso: tal como mudar a apresentação dos membros do corpo para o serviço de um para o de outro senhor. Ainda hoje podemos compreendê-lo. Paulo não quis dizer que não estava inspirado ao dizer isto, mas que estava falando de forma que pudesse ser compreendido.

Gálatas 3:15: "Irmãos, como homem falo. Se o testamento de um homem for confirmado, ninguém o anula nem lhe acrescenta alguma coisa." Paulo aqui se refere às obrigações contratuais profanas, não religiosas, e para que isto se saiba esclarece: como homem falo. O que se segue diz respeito a um contrato sagrado, e assim como as cláusulas de um contrato profano devem ser observadas, muito mais ainda o que foi feito entre Deus e Abraão. Deus realmente tem cumprido fielmente a sua parte e Cristo éa posteridade de Abraão mediante Quem foi abençoada toda a terra. O Senhor Jesus mesmo disse "Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se." (João 8:56).

Finalmente, alguns objetam que o apóstolo Paulo escreveu, por exemplo: "Aos outros, eu mesmo digo isto, não o Senhor ..." (1 Coríntios 7:12 - NVI), sugerindo que o ensino que ele deu aqui não foi inspirado porque não teria vindo do Senhor. Mas estão redondamente enganados: longe de dizer que não estava inspirado, o apóstolo está juntando suas palavras às do Senhor. Com a formação da igreja de Cristo, e a conversão de gentios, surgiram muitas situações fora das limitações religiosas já existentes dos judeus, não abrangidas pelo ensino do Senhor em Seu ministério que fora dirigido especialmente, embora não exclusivamente, aos israelitas. Essas novas situações demandavam diretivas, e somente as palavras inspiradas de um apóstolo poderiam dá-las (ver 1 Coríntios 7:40, 2 Pedro 3:2).

"Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é de origem humana ... Eu o recebi de Jesus Cristo por revelação." Paulo aos Gálatas 1:11,12.

autor: R David Jones.