Relatado por Margaret Louise McClelland
Tanto eu quanto João tivemos o privilégio de sermos criados em famílias cristãs, membros de casas de oração. Aos dez anos de idade (ambos em 1930), ainda sem conhecermos um ao outro, tivemos a experiência de entregarmos nossos corações e nossas vidas ao Senhor, e desde então aplicamo-nos em nos prepararmos para futuramente sermos usados por Deus no Seu serviço missionário.
Através dos anos, João, procurando informações, chegou a fixar o seu desejo no Brasil, enquanto eu não tinha destino fixo em mente. Um tio meu, que era missionário na Malásia, cansava de me escrever encorajando-me para ir para lá, mas Deus não me deu o desejo de pensar nisto.
Mais tarde, a família de João veio morar mais perto da igreja onde minha família se reunia e ficamos nos conhecendo. Com tempo começamos a namorar e em 1944 nos casamos.
Em 1946 os irmãos de Central Gospel Hall, em Toronto, no Canadá, sabendo do nosso interesse no Brasil e em consideração ao nosso envolvimento no trabalho da igreja, ofereceram-nos uma "carta de recomendação". Requisitamos, então, um "visto" de entrada no Brasil. O Consulado Brasileiro estava fornecendo apenas "vistos temporários”, que deveriam ser renovados a cada dois anos, mas, mesmo assim, a resposta foi negativa, e continuou voltando um "recusado" a cada nova tentativa.
Isto era difícil de entender, porque vez após vez recebemos sinais de que Deus queria que continuássemos pensando na Obra d’Ele no Brasil. Depois de orarmos muito, começamos a duvidar.
Como já estávamos com a carta de recomendação consultamos os irmãos acerca da possibilidade de irmos a uma cidade no norte da província de Ontário para ajudarmos na obra lá, e, com Sua bênção, fomos. Certamente os dois anos que passamos ali foram bem abençoados por Deus, no entanto o Brasil estava sempre em nossas mentes, e não deixamos de sentir que a mão de Deus estava sobre nós para o Seu serviço ali - no tempo da Sua escolha. Continuamos tentando obter o "visto".
Certo domingo, depois de dois anos, João estava no quarto orando antes da Escola Dominical quando eu entrei para chamá-lo. Ele estava ajoelhado, com o livro de corinhos diante dele em cima da cama, e estava chorando, falando em voz alta: "Senhor, eu preciso ter uma reposta “hoje”. Por favor, Pai, me dê uma resposta “hoje”! Se estamos errados no nosso desejo, por favor, mostra-nos agora, e voltaremos a Toronto e diremos aos irmãos que erramos e esqueceremos o Brasil”.
Ao pegar o livro de corinhos ele o abriu ao acaso e imediatamente me chamou - "Vem ver!". Na página que se abrira tinha um corinho que ele nunca havia reparado, cuja tradução era: Jesus te ama, é verdade - Mas Ele ama os BRASILEIROS também - E o meu mandamento divino é - Leva o meu evangelho para eles. Uma notinha embaixo dizia que qualquer nacionalidade poderia substituir "brasileiros" para formar outras estrofes. Mas lá estava, na primeira estrofe, a resposta imediata do Senhor, e nunca mais duvidamos!
Mais uma vez fizemos o requerimento para o "visto" e desta vez a resposta chegou em forma de pergunta - "Não podemos fornecer visto temporário, mas podemos oferecer um visto permanente. Isto é aceitável?". Renovações não seriam necessárias! Porém, havia um problema: teríamos de estar no Brasil dentro de sessenta dias. Eu já estava grávida de sete meses de nossa primeira filha, e só de pensar em dar a luz num lugar estranho, de clima tropical (iríamos para Santarém, no Pará) e em condições desconhecidas, e eu já com vinte e nove anos, era muito assustador. Hoje não seria, mas cinqüenta e seis anos atrás certamente era!
Contatamos o Consulado e nos aconselharam a deixarmos vencer o “visto” e solicitá-lo novamente depois que o bebê nascesse. Que angústia! Será que iríamos lutar mais dois anos, talvez para obtermos um “visto temporário”? “Por quê?”, perguntamos a Deus, e Sua resposta foi “aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus”.
Então Marilyn nasceu, pedimos novamente o "visto" e recebemos um permanente! Desembarcamos em Belém em 11/11/1948, de onde partimos para Santarém, sendo recebidos pelo Sr. José Penna e sua esposa D. Almerinda. Ficamos com eles até acharmos uma casa para alugar e começamos a ter aulas de português com o Sr. José.
O Sr. José Penna já estava em Santarém havia alguns anos, vindo de Pernambuco, e um grupo de crentes vindos de outras igrejas reunia-se para pregar o Evangelho, mas não como uma igreja neo-testamentária. Eles não faziam batismos nem celebravam a Ceia do Senhor, e as irmãs não faziam uso do véu. O Sr. José nunca havia tomado a Ceia e não queria iniciar a prática, mas concordou em ser intérprete enquanto João dava ministério acerca destes assuntos. Isto resultou no batismo daqueles que não haviam sido batizados nas suas igrejas de origem, depois do qual um grupo de mais ou menos 12 pessoas - as irmãs com véu - sentou-se para "lembrar o Senhor" conforme o Seu desejo, e uma igreja neo-testamentária se formou. Louvado seja Deus! Se foi para isto que Deus trouxe João McClelland ao Brasil, realizou-se ali o Seu objetivo.
João continuou ministrando por interpretação, porque logo no início, por motivos alheios à nossa vontade, as aulas de português foram interrompidas e não foram retomadas.
É notável como Deus está sempre no controle, porque durante este tempo recebemos uma carta de Domingos e Margery Lipsi, que não conhecíamos e com quem nunca tínhamos nos correspondido, dando-nos "boas-vindas ao Brasil” e convidando-nos para irmos a Sousas para trabalharmos com eles. Até tinha uma casa para alugar, ao lado da casa deles! Depois de considerarmos este convite com muita oração perante Deus, sentimos que era a direção dele, e no fim de 1949 nos mudamos para Sousas.
Contratamos um professor para aulas de português, e por três anos gozamos de doce comunhão naquele lugar, antes de irmos para Vila Luzita, em Santo André, a pedido de George e Martha Orr e, depois, para São Paulo, a pedido do Sr. Ricardo e Sra. Maria Helena Jones.
Nesse período João sentiu-se chamado para o ministério de evangelismo, e viajava muito, às vezes ficando longos tempos fora de casa. Deus abençoou, e a colheita de almas salvas foi grande. A essa altura Deus tinha nos dado quatro filhos e essas ausências de João eram muito sentidas. Resolvemos então nos radicar em Ribeirão Preto (SP), com o propósito de fundarmos uma igreja local e, dessa forma, João passaria menos tempo viajando e mais tempo em casa. Fizemos a mudança em março de 1964. Com a ajuda de Deus o nosso propósito foi conseguido e hoje tem duas igrejas locais em bom andamento naquele lugar.
Em 1984, quando estávamos no Canadá, Deus levou João para junto de Si. Eu voltei em 1985 para Ribeirão Preto, passando mais dez anos lá antes de vir para Muriaé (MG), para morar perto de meu filho Joe e sua família, e para ser útil na medida do possível na Obra do Senhor.
As memórias são muitas, e teria muitos detalhes interessantes para relatar, mas conforme foi sugerido, por ora me ative ao "chamado".