Hebreus 2:1-4, 3:7-13, 5:11-14, 6:1-6, 10:22-27
Hebreus é o teor de uma carta dirigida originalmente a crentes judeus convertidos, que eram tentados a voltar ao judaísmo. Na falta desta compreensão surgem distorções e erros, mesmo até à heresia da teologia da substituição, que sustenta que a igreja cristã tomou o lugar dos judeus nas promessas feitas aos seus patriarcas... Hebreus, como os demais livros da Bíblia, é uma “Escritura inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16,17).
Considerando a extensão e profundidade da matéria do livro de Hebreus, o autor (cuja identidade não é revelada) nos traz um sorriso ao fim do capítulo 13, quando diz “Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta exortação; porque abreviadamente vos escrevi.”
Os crentes judeus dentro de Israel sofriam perseguição severa por causa da sua fé, e muitos eram tentados a voltar ao judaísmo, pensando que podiam abrir mão da sua salvação provisoriamente até que a situação se abrandasse, para depois aceitar o senhorio de Cristo novamente e com isto apagar o pecado de apostasia. Hebreus esclarece que não existia essa opção. Para os judeus “salvar” ou “salvação” pode ter por objeto a morte espiritual, mas também a morte física, e só assim se compreendem alguns trechos do livro.
Vamos a seguir extrair do livro cinco advertências, todas relacionadas com o julgamento e a morte física do Velho Testamento, mas que são também adaptáveis à vida espiritual do crente.
1. A advertência contra o desvio: (Hebreus 2:1-4)
“Por isso convém atentarmos mais diligentemente para as coisas que ouvimos, para que em tempo algum nos desviemos delas...”
“Por isso” é uma referência ao fato provado antes que o Senhor Jesus é superior aos anjos, logo é preciso atentar ao que Ele diz, e não nos afastarmos como se estivéssemos à deriva, perdendo a memória do que nos foi transmitido. A revelação através do Filho, que temos no Novo Testamento, traz obrigações aos que a recebem que são muito mais solenes do que a revelação feita através de anjos, ou de simples homens como aconteceu no Velho Testamento. A superioridade do Evangelho é por ter sido anunciado inicialmente pelo próprio Senhor, depois confirmado pelos que O ouviram, e finalmente testificado por Deus junto com eles (versículos 3a e 4).
Mesmo hoje, muitos permitem esquecer-se do ensino de Cristo, para ouvir mensagens que se asseveram ser de anjos, ou de homens, como se pudessem ser ainda superiores. Quantos dedicam mais do seu tempo à leitura de livros “espirituais” que desenvolvem teorias, ensinamentos e conselhos alheios ao que aprendemos na Palavra de Deus, tendo já esquecido o que ela realmente ensina! O crente que se afasta estará sujeito à disciplina divina – não a perda da salvação espiritual, mas perda material, até mesmo da própria vida física, como acontecia no Velho Testamento aos que se desviavam dos caminhos de Deus ali revelados.
2. A advertência contra a desobediência (capítulo 3:7 a 4:13)
“A quem jurou que não entrariam no seu descanso, senão aos que foram desobedientes?“
Por causa da sua incredulidade, que gerou a desobediência, a grande maioria dos judeus que saíram da escravidão do Egito rebelou-se contra Moisés e Arão e não entrou na terra da promessa. Lemos em Números 14:20 que depois se arrependeram e que Deus perdoou o seu pecado, mas assim mesmo sofreram a penalidade da morte física no deserto: não a perda da sua salvação espiritual. “...Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação...” é o paralelo daquele episódio na vida do crente. Ele deve cuidar-se porque é responsável pela sua conduta, evitando que se encontre nele “um perverso coração de incredulidade, para se apartar do Deus vivo” como fez aquela geração, incluindo aqui a sugestão de corromper outros também. Ao contrário, os crentes devem exortar-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama “Hoje”, para que nenhum se endureça pelo engano do pecado.
Não se trata da retenção da salvação com base na perseverança na fé, mas da posse da salvação evidenciada pela continuação na fé. Um verdadeiro crente continua a crer mesmo que tenha tropeçado em pecado. O judeu convertido é exortado a “entrar naquele descanso”. Os rebeldes não entraram na terra da promessa, o que seria o seu “descanso” na terra (não é símbolo do céu, pois na terra da promessa ainda haveria muitas lutas, mas representa a vida de bênção do crente aqui na terra). O judeu convertido não teria a vida de bênção se voltasse ao judaísmo. Hoje, o crente convertido sofre a tentação da incredulidade, por exemplo com o assédio das teorias da evolução e do humanismo. Se lhes der ouvidos, será impelido à desobediência, e perderá o seu “descanso”, que são as bênçãos em sua vida aqui no mundo. Mas não perderá a sua salvação e a vida eterna.
3. A advertência contra a imaturidade (capítulo 5:11 a 6:20)
“... vos tornastes tardios em ouvir, porque, devendo já ser mestres em razão do tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar os princípios elementares dos oráculos de Deus, e vos haveis feito tais que precisais de leite, e não de alimento sólido”.
O que vem a ser a imaturidade por causa da estagnação espiritual e incapacidade para aprender a “palavra da justiça” e, “pela prática, ter as faculdades exercitadas para discernir tanto o bem como o mal”. As palavras “vos haveis feito tais” demonstra retrocesso ao invés do progresso que seria de se esperar no crente. O retrocesso voltava aos seis princípios rudimentares dos oráculos de Deus aqui mencionados: “o arrependimento de obras mortas” (o sistema levítico), “e de fé em Deus” (conversão ao senhorio de Cristo), “e o ensino sobre batismos” (as várias imersões e lavagens do sistema levítico) “e imposição de mãos” (a maneira de abençoar e dedicar ou se identificar com pessoas ou coisas no Velho Testamento), “e sobre ressurreição de mortos” (também uma doutrina do Velho Testamento achada em Jó 19:25, Isaías 26:19 e Daniel 12:2), “e juízo eterno” (o julgamento final, do “grande trono branco”). É o desejo de Deus que o crente progrida para a maturidade, embora não o obrigue a fazê-lo (6:3).
Alguns daqueles judeus já teriam regredido ao ponto de não poderem avançar mais. Pensavam que tinham a opção de voltar atrás ao judaísmo e depois arrepender-se para voltar à fé cristã, assim apagando o pecado de apostasia. Mas conforme a sua posição diante de Deus, eles não tinham essa opção, pois era impossível. Se fossem verdadeiros crentes, eles teriam cinco privilégios espirituais: “foram iluminados” (regenerados e salvos), “e provaram o dom celestial” (tiveram experiência real do dom de Deus que era o Messias), “e se fizeram participantes do Espírito Santo” (receberam o Espírito Santo ao se converterem), “e provaram a boa palavra de Deus” (foram beneficiados com o conhecimento e ensino da Palavra), “e os poderes do mundo vindouro” (viram milagres apostólicos, amostra dos poderes que serão manifestados no reino do Messias).
O versículo 6:6 é crucial e uma interpretação errada tem sido usada por alguns como base para a doutrina da perda da salvação. O que o autor está dizendo é que, aos crentes que possuem esses cinco privilégios espirituais evidenciando que são verdadeiros crentes, é impossível cair para depois serem renovados para arrependimento. A razão da impossibilidade é que, para perderem a sua salvação e a receber novamente, seria necessário que o Filho de Deus fosse crucificado de novo. Pela sua ação, os que caiam manifestavam sua rejeição de Jesus como Cristo, colocando-se junto aos outros judeus incrédulos da sua geração. O verdadeiro crente não tem a opção de voltar atrás e terá que prosseguir. Se for negligente, será disciplinado nesta vida ou dará contas do seu proceder no tribunal de Cristo. Não perderá a sua salvação.
4. A advertência contra o pecado voluntário (capítulo 10:19-31)
“Se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados”. Portanto devem ser seguidas as exortações dos versículos 22 a 25:
- O castigo pelo pecado voluntário é a expectativa terrível de juízo. Trata-se de uma condição de continuidade, não de um pecado isolado. No caso daqueles judeus, seria voltar ao judaísmo e continuar nele intencional e permanentemente.
- No Velho Testamento não havia sacrifícios possíveis para alguns pecados, como adultério, assassínio e blasfêmia, mas os culpados tinham que sofrer a pena de morte. Novamente, não se tratava de morte espiritual.
- Os crentes judeus daquele tempo que voltassem ao judaísmo, cometendo apostasia, teriam como castigo morte física (v. 28-29), morte na destruição de Jerusalém em 70 d.C. (v. 25 e 27) e perda das recompensas no tribunal de Cristo (v. 35-36).
- Já o crente de hoje que peca voluntária e continuadamente também está sujeito à disciplina nesta vida e à perda das recompensas no tribunal de Cristo. Mas não perde a sua salvação.
5. A advertência contra a indiferença (12:25-29)
“Vede que não rejeiteis ao que fala”
Os crentes judeus deviam cuidar para não ser indiferentes à voz de Deus, como os israelitas tinham sido no Monte Sinai. Está no presente, portanto é a voz de Cristo que nos fala hoje pela Sua Palavra, como Deus falava ao povo na antiguidade. Os que estavam debaixo da lei de Moisés não escaparam da punição, e os crentes que não atentam à voz de Cristo hoje não podem esperar tratamento melhor. Sofrerão disciplina e perda de recompensa, mas não perderão a sua salvação eterna.
Enfim, essas advertências têm em vista evitar sérios castigos neste mundo e prejuízo no porvir. Embora dirigidas aos cristãos judeus no início do cristianismo, têm também aplicações para o crente no presente. Não se cogita da perda da sua salvação e da sua vida eterna, que são garantidos pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em Sua Palavra para todo aquele que ouve a Sua Palavra e crê em Deus (João 5:24). A Vida eterna não é passível de morte.