Antes de iniciar o artigo que me propus escrever faço um pedido, e o faço porque o texto escrito não transmite as expressões faciais, feições e entonação da voz do escritor. Assim, peço que ao ler este artigo imagine um rosto sereno e uma voz calma e educada, embora firme. Navegue no texto com a mente e o coração dispostos a fazer uma avaliação criteriosa do que nele está exposto. E se ao final você não concordar comigo, não tenha nisto um motivo para malquerenças, pois, se você é um cristão verdadeiro, somos irmãos e companheiros de vida eterna. Caso queira me escrever fique à vontade para fazê-lo; mas se for para contestar, por favor, faça isto com fundamentos bíblicos e, caso me convença de que estou biblicamente errado, mudarei meu entendimento. Feita esta pequena digressão passemos ao artigo.
Embora esteja surgindo no meio dos “irmãos” argumentações asseverando que existiram diferentes formas de governo da igreja no Novo Testamento, o contrário é que é verdadeiro. O Novo Testamento apresenta apenas uma forma de governo eclesiástico que é: vários presbíteros compondo a liderança de cada igreja local. O modelo bíblico é o de uma liderança plural, exercida por mais de um homem e nunca por um homem apenas, ou por um homem com autoridade sobre os outros líderes.
Bem cedo no Novo Testamento já são mencionados os presbíteros. Já em Atos 11:30, logo no início da Igreja, podemos ler sobre os presbíteros da igreja em Jerusalém. Paulo e Barnabé, em sua primeira viagem missionária, estabeleceram o padrão de liderança através da constituição de presbíteros em todas as igrejas que haviam fundado: “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (Atos 14:23). Isto indica que o procedimento de Paulo era estabelecer um grupo de presbíteros em cada igreja que fundava. Sabemos que também em Éfeso, Paulo deve ter estabelecido presbíteros, pois lemos em Atos 20:17... “De Mileto, mandou a Éfeso chamar os presbíteros da igreja”. Além disso, vemos Paulo enviando Tito à Ilha de Creta com o seguinte objetivo: “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tito 1:5). Na carta a Timóteo Paulo menciona os presbíteros. Ele escreve: “Não te faças negligente para com o dom que há em ti, o qual te foi concedido mediante profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Timóteo 4:14).
Em outras epístolas há a menção aos presbíteros. Tiago escreve: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor” (Tiago 5:14). A importância deste texto se deve ao fato da epístola de Tiago ter sido uma carta geral escrita para muitas igrejas e crentes a quem ele chama de “as doze tribos que se encontram na dispersão” (Tiago 1:1). Isto nos mostra que Tiago esperava que em cada uma das igrejas onde sua carta fosse lida existissem presbíteros.
De Pedro podemos inferir a mesma coisa. A sua primeira carta foi dirigida a várias igrejas que estavam espalhadas nas províncias romanas da Ásia menor (Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia – 1 Pedro 1:1). Ele escreveu: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles...” (1 Pedro 5:1). Ele também esperava que em cada uma daquelas dezenas de igrejas em lugares remotos houvesse presbíteros. Já em Hebreus, embora não apareça a palavra presbítero, vemos que na congregação para qual a carta foi dirigida havia uma pluralidade de líderes. Em Hebreus 13:17 lemos: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas...”. A Bíblia Revista e Corrigida contém um erro de tradução aqui ao dizer “obedecei vossos pastores”. A palavra grega usada aqui é “egouménois”, derivada de “egéomai” cujo significado é liderar, guiar. No grego bíblico a palavra pastor é “poimén” e, no original grego, ela não ocorre em Hebreus 13:7 e 17.
É digno de nota que Pedro, que era um apóstolo do Senhor Jesus, quando no contexto de igreja local chamou a si mesmo de presbítero e não de apóstolo, pastor ou outro título. Neste contexto do pastoreio do rebanho do Senhor ele se apresentou como presbítero. Como já vimos, na igreja em Jerusalém havia mais de um presbítero (Atos 11:30).
De todos estes textos não podemos deixar escapar pelo menos duas verdades. Em primeiro lugar, nunca vemos nenhuma sugestão que qualquer igreja, por menor ou mais isolada que fosse, tivesse um só presbítero. O padrão do Novo Testamento é pluralidade de presbíteros. Em segundo lugar, não vemos no Novo Testamento mais de uma forma de governo e sim uma única forma que é a de presbíteros em cada igreja local, pastoreando, dirigindo, zelando e cuidando dela. Notável também é o fato que em nenhum lugar do Novo Testamento algum escritor bíblico tenha se dirigido a um líder de qualquer igreja local chamando-o de “pastor”.
As palavras presbítero e bispo designam basicamente a mesma função. Em Atos 20:17,28, vemos Paulo se dirigindo aos presbíteros onde também os chama de bispos. Aqueles homens tinham a incumbência de pastorear a igreja. Eram eles que deveriam proteger a igreja dos “lobos” (falsos mestres) que nela penetravam com o intuito de arrebanhar adeptos para si mesmos por meio dos seus ensinos errados. Também deveriam estar atentos com os de dentro, pois mesmo entre eles poderiam surgir pessoas assim.
Tendo colocado esta base bíblica para a liderança da igreja local, passo a falar sobre alguns posicionamentos, a meu ver equivocados, que tenho presenciado por parte de alguns irmãos e até mesmo em igrejas locais. Já se vão alguns anos que um irmão me interpelou tentando defender a ideia do que ele chamou de Presbítero Presidente, que seria um presbítero que está acima dos outros presbíteros. Na prática ele seria o “chefe” dos outros presbíteros. Disse-lhe que esta prática não tem apoio e nem precedente bíblicos. Mas ele, mesmo não podendo fundamentar biblicamente seu entendimento, parece que não se deu por convencido.
Percebo que, na tentativa de copiar ou se adequar às outras igrejas evangélicas, alguns dos nossos irmãos têm tomado um caminho diferente daquele que nos é indicado pelas Escrituras Sagradas. Escrituras estas que devem ser nossa única regra de fé e prática.
Vou exemplificar com alguns casos reais que passo a citar: Um irmão me segredou que foi convidado para pregar em um evento das igrejas em uma cidade do Brasil e, a cada vez que era chamado à frente, lhe davam o título de pastor fulano de tal. Incomodado com isto, ele procurou os dirigentes e disse que não era pastor e que gostaria de ser chamado apenas de irmão. Os dirigentes insistiram que ele era pastor sim, pois era pregador da Palavra e estava pregando muito bem etc. Então, ele disse que nem presbítero era e que nem mesmo tinha o ministério de pastorear, portanto não fazia o mínimo sentido ser chamado de pastor. Foi com a promessa de não ir à frente se não o atendessem que, com muito custo, conseguiu ter seu pedido atendido.
Neste mesmo congresso, um pregador de uma denominação evangélica compartilhou com um líder bem conhecido no nosso meio estar estranhando que alguns de nós, herdeiros dos “princípios dos irmãos”, estivessem indo para aquilo do qual ele tinha saído. Afirmou que na igreja onde é um dos líderes, saiu a figura do pastor e entrou a liderança plural composta de presbíteros.
Para encerrar, conto um caso que aconteceu comigo e que exemplifica uma ideia cada vez mais corrente entre nós. Fui entregar uma correspondência em uma localidade e o irmão que me recebeu, querendo me agradar,me chamou de pastor. Disse-lhe que não costumo usar títulos e que prefiro ser chamado apenas de irmão. Ele me interpelou com a clássica pergunta: “Ora bolas, mas você não pastoreia a igreja?” Respondi que sim. Ele, então, replicou: “então você é pastor! Afinal Paulo nos diz que, na igreja, Deus concedeu alguns para pastores” (cf. Efésios 4:11), o que à primeira vista parece fazer sentido.
Então qual é o problema aqui? O problema é confundir o “dom de pastor” com o “título de pastor”; título este que, normalmente, tem a intenção de colocar seu portador um degrau (ou alguns degraus) acima dos demais crentes. Já foi demonstrado que, quando se trata da liderança da igreja local, a Bíblia menciona presbíteros. Eles são incumbidos de pastorear o rebanho de Deus, mas normalmente os autores bíblicos os chamam de presbíteros (poucas vezes de bispos) e não de pastores. Percebam que não somente o dom é confundido com um título, mas, também o é a função de pastorear.
Se fôssemos aplicar isto aos outros dons espirituais, teríamos que chamar quem tem o dom de contribuição, de contribuinte fulano de tal; quem tem o dom de exortação, de exortador cicrano; quem tem o dom de serviço, de servidor fulano de tal, quem tem o dom de presidir, de presidente, e assim por diante.
O termo pastor (poimén) ocorre 18 vezes no Novo Testamento e na maioria das ocorrências refere-se ao Senhor Jesus. Ele aparece com os seguintes significados nas seguintes passagens: Como “dom” em Efésios 4:11; Como “função” em 1 Pedro 5:2; e referindo-se ao Senhor Jesus em Mateus 24:35, 26:31; Marcos 14:27; João 10:2,11,12,14,16; Hebreus 13:20; 1 Pedro 2:25, 5:4. Aparece também designando os que cuidam de ovelhas (animais) – Lucas 2:8,15,18,20 e em Judas 12 referindo-se a hereges. Notem que o termo nunca aparece como um “título”, mas como “dom” ou “função”. Então, por qual motivo alguns estão sendo atraídos a usarem o que é claramente um dom e uma função, como título?
Um irmão me disse que o uso deste título faria com que os membros o respeitassem mais. Será? Ora, se o respeito de um líder advém do seu título há algo errado. Respeito deve ser conquistado pelo bom procedimento e não imposto por títulos, cargos ou posições. Outro irmão me segredou que, ao chegar à igreja onde era membro, se deparou com os presbíteros carregando uma plaquinha no paletó onde se lia: pastor fulano de tal. Pergunto: será que um líder precisa usar um crachá para ser identificado pelos membros da igreja? Afirmo novamente que essa prática é absolutamente equivocada.
Este “clericalismo brando”, que em minha opinião poderá descambar para um “clericalismo rígido”, pode ter sido introduzido por meio de atitudes, a princípio, até bem intencionadas. Cito como exemplo o velho costume de algumas igrejas locais, prática comum também em congressos e encontros, onde há cadeiras especiais que só podem ser ocupadas por irmãos “importantes”. Quem nunca viu alguém ser convidado para “compor o púlpito”? Quem nunca viu, em alguns encontros e congressos, lugares de destaque destinados especialmente aos que são conhecidos como obreiros em tempo integral? E o que dizer dos lugares preferenciais para obreiros em tempo integral nas filas das refeições em congressos, mesmo que isto viole o direito de idosos e mulheres com crianças? Pergunto-me: se estas pequenas práticas, aparentemente despretensiosas, não contribuíram ao longo dos anos para formar uma mentalidade de que certas “classes” de crentes são mais importantes que outras.
Nossa função na Igreja do Senhor, seja ela qual for, não deve nos levar a pensar, e nem deve levar outros a pensarem, que somos mais importantes que os demais irmãos. Importante e merecedor de todo o destaque é Aquele que nos arregimentou e nos capacitou a servi-Lo. Ora se O servimos é por sermos Seus servos. O termo servo vem da palavra grega “doulos” a qual significa escravo. Escravo é escravo, e escravo não se julga importante. Portanto o destaque deve ser dado ao nosso Senhor e não a nós! Em Mateus 8 ao tratar da busca de posições Jesus diz aos Seus discípulos: “Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mateus 8:8). “E vós todos sois irmãos”, prestemos atenção nisso! Pedro demonstra ter absorvido este ensino do Senhor Jesus ao mencionar o apóstolo Paulo em sua carta. Ele escreveu: “...como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada” (2 Pedro 3:15). Ele não o chama de outra coisa senão de “irmão”. Não há nada mais maravilhoso do que ser chamado de irmão em Cristo. Isto é precioso, pois, para que alcançássemos este privilégio, Ele deu a Sua vida para nos fazer filhos de Deus e, portanto, irmãos em Cristo.
Em 1828, Groves, um dos irmãos pioneiros, disse: “Eu não tenho dúvida que está de conformidade com a vontade de Deus nos reunirmos em toda simplicidade, como os discípulos, não almejando nenhum púlpito ou cargo, mas certos de que o Senhor nos edificará juntos, como Lhe aprouver, e usará um dentre nós mesmos”. Este foi um dos fundamentos daquele que ficou mundialmente conhecido como o “Movimento dos Irmãos”. Foi com esta mentalidade que eles se espalharam rapidamente para muitos países. Poucos anos depois do início deste movimento já havia cerca de 3.000 missionários dos “irmãos” espalhados pelo mundo!
Contudo, à medida que os anos passam, parece que este posicionamento vai sendo mais e mais deixado de lado. Não me assustaria muito se em breve surgissem no meio daqueles que dizem fazer parte dos “irmãos”, algum apóstolo, ou presbítera, ou pastora. É uma questão de tempo, pois um desvio de um milímetro, num determinado ponto, vai aumentando à medida que a reta avança. No início apenas um milímetro, mais um pouco o desvio será de alguns metros que podem converter-se em quilômetros em relação ao traçado original.
É difícil não notar uma crescente tendência de se colocar a sigla de um título na frente do nome (Pr., Pb., Dc., Ev., Miss. etc.). Esclareço aos leitores que não sou daqueles radicalmente contrários a se “dar nome aos bois”. Na igreja local é preciso saber quem é quem. É preciso que cada um atue numa área que esteja de acordo com o seu dom espiritual. Mas ninguém precisa sempre ser identificado pela sua função, como se ela fosse um título ou posição. Por exemplo, não há nada de errado em um dirigente dizer: “gostaria de convidar à frente o irmão fulano de tal que é nosso presbítero para orar por esta situação”. Ou seja, não é proibido chamar o líder pelo nome que a Bíblia lhe dá.
Por exemplo, sou um dos presbíteros da igreja em São Torquato, mas ao se dirigir a mim ninguém precisa colocar esta função antes do meu nome e sempre me chamar de presbítero Jabesmar. É verdade que algumas vezes as pessoas de outras igrejas e até descrentes me chamam de pastor. Não crio caso por isso e as respondo educadamente, mas procuro não fazer uso de títulos eclesiásticos. Prefiro ser chamado de “irmão”. Este nome é maravilhoso, pois só somos irmãos porque um dia Cristo pagou o preço para que pudéssemos desfrutar deste privilégio. Ele nos fez “irmãos”!
Aliás, para ser bíblica, uma igreja deve ter presbíteros e estes devem ser conhecidos como tais e, quando necessário, se identificarem como presbíteros. Já vi em uma localidade alguém perguntando sobre quem eram os presbíteros e os ditos cujos não se identificaram. Quando finalmente o fizeram, foi quase como que se desculpando. Se o irmão é um dos presbíteros e for arguido sobre isso, identifique-se prontamente, pois não há nada de errado em fazê-lo (cf. 2 João 1:1; 3 João 1:1; 1 Pedro 5:1).
Não quero que me tenham por ingênuo e simplista. Estou ciente que há os que são veementemente contra títulos, mas que, na prática, são mais dominadores e centralizadores que alguns daqueles que o usam. São verdadeiros clérigos. Estão sempre a se colocar acima dos demais irmãos. Sei que em algumas igrejas que nem presbíteros aceitam, existe um “mandachuva” que determina tudo e ai de quem não seguir suas orientações. Isto é errado, e mesmo as igrejas que tem pastor estão em melhor situação que os irmãos de tais igrejas, pois aqueles podem despedi-lo, enquanto estes não tem muito que fazer.
Portanto, entendam os leitores que minha intenção neste artigo não é simplesmente combater o uso de títulos. Antes disso, pretendo trazer um alerta quanto à crescente mentalidade clericalista no meio dos irmãos, pois ela é que tem sido a principal fonte do desvio.
Não pensem também que vou “criar caso” nas igrejas onde há este costume por mais que discorde dele. Não vou afrontar publicamente nenhuma liderança, pois ao fazer isto incorreria em outro erro que é o desrespeito a autonomia da igreja local. Faço questão de deixar claro que este artigo não tem a finalidade de discutir pessoas, e sim, ideias, conceitos. Também não tem a intenção de julgar o caráter e nem a motivação de ninguém, pois, é possível ter boa motivação e mesmo assim estar equivocado.
Quem me conhece sabe que não defendo valores fundamentados em tradições humanas. Na verdade os tenho combatido e angariado alguns desafetos por isso. Porém, não abro mão daqueles valores que são fundamentados na Palavra de Deus. Eles precisam ser constantemente relembrados, realçados e reafirmados. Não nos deixemos dominar pelo pragmatismo, pois nossa bússola e manual de instruções é a Bendita Palavra de Deus. Nela encontraremos as claras instruções quanto ao funcionamento da Igreja de Deus. Voltemo-nos, portanto, com afinco, para ela.